Domingo à tarde, praia.
Tento concentrar-me no Montalbán ("Erec e Enide") que estou quase a terminar, mas duas adolescentes que já levam sobre mim um avanço tremendo em relação ao bronze (e não só, refira-se, o que me leva a pensar que quando eu tinha a idade delas só pensava em andar de bicicleta, em brincar na rua às escondidas e à apanhada e em tocar às campaínhas) teimam em tornar audíveis as suas conversas. Para mim, que sempre me habituei a ler e a estudar nos cafés (que saudades do meu Ceuta, no Porto), o barulho nem é muito incomodativo. Até que, em certo momento, parece-me ouvir aquela que se transformou na palavra mais usada (e vulgarizada) em Portugal: pedófilo.
Num movimento involuntário, olho para trás, recomponho-me e e fico à escuta:
"- Não me apetece ficar aqui [aqui estava uma senhora mais velha, talvez a avó de uma delas ou de ambas]. Podemos jogar às cartas mas temos de procurar outro lugar. Olha, porque é que não vamos para ali [ali era uma zona da praia só com duas ou três pessoas]?
- P'ráli não vou!
- Porquê? É melhor...
- Está ali um pedófilo!
- Ah, pois é..."
N.B.: "Pedófilo" aqui significa homem sozinho na praia, a apanhar sol enquanto lê um livro.