Pacheco, Luiz Pacheco, é, dizem, um libertino. Um escritor maldito, dizem. O próprio berra, grita que não. Também o escreveu, em
Literatura Comestível (1972).
«Raios afundem [os que], por ternura de simpatia, escárnio maldoso ou parvoíce me chamam escritor maldito».
Tem uma língua afiada. Palavras que, se fossem facas, matavam (isto é uma figura de estilo...). Quando não gosta de alguém, chega a ser violento, brutal. Que o diga Saramago.
Dá-se ao trabalho de comparar textos para concluir que alguém plagiou outro alguém.
Mas quando gosta de alguém, gosta e elogia. Que o diga Pedro Paixão.
Luís Pacheco também foi editor. Editou livros de Cesariny, Herberto Helder – dois dos maiores poetas portugueses (felizmente) vivos.
Teve uma vida atribulada. Passeou por Braga, a Idolátrica, o seu esplendor. Viveu com raparigas. Casou com elas. Ensinou-lhes a escrever. Fez filhos. Muitos.
Cruzei-me com ele, há alguns anos, em Setúbal. Vestia umas calças curtas, sapatos largos. Andava na rua, apressado, passo largo, com um saco de plástico na mão. Lá dentro tinha as bombas para a asma. Trocámos umas palavras ocasionais num café. Pacheco atirou a uma amiga minha: «Ó fulana, tás cá com um pernão!...» Sem ofensas. Eram velhos conhecidos.
Um colega (velho jornalista) contou-me que, no tempo do grupo do Café Gelo, Luiz Pacheco aparecia a cravar umas moedas: ora era para um imposto cultural, ora para venda antecipada de livros. Um dia chegou com uns sapatos velhos e gastos. Alguém lhe quis oferecer uns sapatos e perguntou que número calçava. Pacheco, habituado a usar o que lhe dava jeito, deu uma resposta singular: «Calço tamanho universal.»
De Pacheco, Luiz, reproduzo um parágrafo de Comunidade. Um texto é de uma crueldade terna:
«Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca de uma lufada que a renasça, o medo da morte da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo: «Não me deixes morrer, não deixes...». Penso para comigo, repito para me convencer: «Esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei! São aquelas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...).»
Mas Pacheco é mesmo um escritor maldito. Na Net, pelo menos. O Google tem apenas três ou quatro referências ao Homem.
[Versão corrigida e aumentada]