Infelizmente os dez euros já estavam do lado de lá - e os bilhetes do lado de cá, na minha mão. Foi depois de pagar que li o folheto de propaganda da peça de teatro infantil em me preparava para entrar, "Bão Preto", na "Comuna".
Tivesse lido antes o folheto e os dez euros teriam sido melhor gastos - tabaquinho, copos, gelados para a criança. Porque um parágrafo como este diz tudo (os parenteses rectos são meus):
"
O Bão é uma personagem que acredita que do nada se pode fazer sonhar e fazer o Futuro [ai!]; que temos de alimentar sempre a criança que habita em nós [sempre?]. Precisamos de autoestima, de gostar de nós próprios para assim podermos estar com os outros [isto promete...]. O crescimento, a revolução [já cá faltava...] começa em nós próprios [e, no que depender da "Comuna", acaba onde?]. É urgente Acreditar [sim, com maiúscula] e Transgredir [idem, sabe-se lá porquê]."
O autor deste naco é o actor/encenador João Mota, que em 1975 criou o personagem Bão. Agora - há uns meses - decidiu recriá-lo na "Comuna". À segunda tentativa lá consegui ver a peça (a primeira falhou porque faltavam espectadores, "aviso" que, estupidamente, ignorei).
Passei todo o santo espectáculo a imitar (em pensamento) o Fernando Rocha. Sendo a peça para crianças (dizem eles) é de notar que não é pronunciada uma única palavra em português. Passa-se toda (1h00, mais ou menos) num criolês qualquer. No fim só me suavizou a vontade de dizer coisas impronunciáveis aqui porque não pude deixar de me sensibilizar com o enorme empenhamento revelado pelos dois actores, Miguel Sermão e Hugo Franco.
Saí de lá mais de direita do que tinha entrado. Quanto ao rebento, coitado, não sabia o que pensar, segundo me confessou. O que, bem vistas as coisas, não era, concerteza, o propósito original do criador da peça. Isto com crianças é sempre um tiro no escuro, como todos sabemos.