Alexandre Monteiro, que anda
No Arame, enviou-nos aquele que considera ser o mais bonito dos poemas de Emanuel Félix, o poeta terceirense que morreu no fim-de-semana
"Apelo de Urgência":
De Rutland Sq., Boston, Massachussets, mandaste as boas-festas.
Depois, vi-te em Bruxelas, na Grand'Place, mas nada foi possível,
porque conduzias uma excursão turística
e o autocarro
ia partir, na hora.
Em Ruão, encontrámo-nos, na Rue de L'Horloge.
E em Paris, na esplanada de um café, em Saint André-des-Arts.
Mas nada dissemos um ao outro
porque tivemos medo de que nenhum de nós fosse um ou o outro.
Em Ottignies, nevava,
vi passar o teu rosto colado ao vidro da carruagem de
segunda classe da composição
da linha do outro lado.
Eu ia para Gent.
E tu?
Direction Liège?
De então para cá, tenho-te visto, juro,
atravessando uma rua qualquer de uma qualquer cidade
de qualquer documentário cinematográfico
ou, súbito, ao passar,
numa qualquer fotografia de jornal.
Entretanto,
este breve postal de Tientsin :
"From China, with love".
E não assinas Laura,
não te chamas Beatriz
nem Annabelle Lee.
Sei, porém, o teu nome e o teu corpo,
mas não sei onde moras
(quem o sabe?).
E por isso te peço que, se um dia
(extremamente improvável)
este apelo de urgência
chegar às tuas mãos,
cair sob os teus olhos,
tombar no teu coração,
então que escrevas, escrevas logo, prontamente,
dizendo o teu país,
a tua cidade,
a tua morada.
Porque eu voltarei a cobrir a cabeça de cinzas,
calçarei as sandálias,
tomarei de novo o meu bastão de buxo,
abraçarei os parentes e os amigos
e partirei à procura
do infinitamente inefável.
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