Segurei algumas vezes na testa de Margarida, enquanto ela vomitava de amor este Verão no Faial, mas também vi Jos, o brutamontes, a segurar-lhe na testa junto ao muro da praia de Porto Pim.
O belo horrível: virei a cara e afastei-me muito depressa, naquela noite Porto Pim estava cheio de mulheres mas só Margarida vomitava. Jos acariciava-lhe a testa. Corri pela rua acima e entrei no bar da esquina, o primeiro bar antes de chegar ao cais, arranjei uma mesa no primeiro andar e fiquei a olhar o porto. Lá fora, um marinheiro a quem tínhamos dado boleia andava de um lado para o outro, hesitando, talvez, entre ficar ou partir.
Nunca lhe direi: Margarida não saberá que eu vi que o homem por causa de quem ela vomita lhe segura na testa.
As palavras inúteis devem desaparecer.
São horas de recolher à colónia americana. Deixei a criança entregue a John, desde manhãzinha, para levar Margarida a vomitar pelo Faial. Fomos a Castelo Branco, aos Capelinhos, ao vulcão, um homem esticou o braço e parámos:
- Como te chamas?, perguntei, embora os nomes sejam geralmente inúteis e a minha memória guarde poucos nomes reconhecidos nos Açores.
Ele não respondeu.
- As palavras inúteis devem desaparecer.
Permaneceu silencioso.
Há vezes em que só dizendo nada chegamos à divina proporção. Olhei-o pelo espelho retrovisor e só percebi que era de lá fora, mas talvez isso não fosse mais do que um presságio, o Faial é lugar de chamamentos, presságios conforme o voo do açor.
Dói-me o corpo todo e na mochila só tenho Dexaval e Dexamytrex. Não choro nem vomito, mas quando me passou as malas para a mão e finalmente me viu os olhos no porto da sua ilha mínima, já o barco estava mesmo a largar, Luís, o médico hipocondríaco, disse-me:
- Dexaval-O ou Dexamytrex.
- Dexaval e Dexamytrex?
- Pode ser.
Margarida fugiu a correr do baile da Sociedade Amor da Pátria. Fui ter com o homem de smoking com quem ela dançava, a última vez que a vi, por um segundo feliz.
- Ela não quer ser encontrada?
- Não sei.
- Não, não é mulher para mim. Eu ando à procura de uma mulher que não quer ser encontrada.
Saio do bar da esquina, preciso de voltar à colónia americana. A rua Cônsul Dabney fica longe, irei pelo atalho, pelas escadinhas que se apanham a meio da marginal, já é muito tarde, não sei se passaram dois dias ou quatro desde que chegámos à Horta de lancha.
No cais, o marinheiro silencioso continua de lá para cá, de cá para lá, olha vagamente a ilha defronte.
Vira-se. Acho que me viu.
- Olá, aceno-lhe reconhecida, agradecida, com aquela súbita alegria com que um rosto meio desconhecido se torna familiar só porque nos dói o corpo todo.
Ele não responde, e volta o olhar para a Madalena. (may be continued)