Aqui à porta, sentada no passeio, uma senhora discute pelo telemóvel. Discute com a mãe, segundo entendo. Discute alto, o problema era o destino de uma criança, filha dela, neta da senhora do lado de lá da conversa. Fugi da conversa, fugo sempre que me parece intima - verdadeiramente intima.
Hoje oiço conversas na rua (discussões familiares, conjugais, amorosas, laborais) que antes só muito raramente ouvia (e aí era preciso que os interlocutores estivessem cara-a-cara). Sei muito mais coisas que não devia saber - ou que pensava que só eu sabia porque só eu as vivia. As conversas de telemóvel fazem-me pensar que afinal, só uma coisa de essencial nos divide: o pudor (quer dizer: a educação). Não consigo deixar de falar ao telemóvel (com gente à volta) com uma mão a tapar-me a boca.
O problema, podem pensar, é da invenção do telemóvel. Pois não é: é de quem já perdeu o pudor todo. Desespero, solidão. A senhora que, sentada no passeio, à vista de toda a gente, berrava com a mãe, estava só a pedir socorro a quem passava. Eu, como sempre, fugi - não dou esmolas, não falo com desconhecidos.
Ou melhor: falo aqui. O que, afinal, não é muito diferente de discutir intimidades aos berros no meio de multidões.