…à blogosfera,
pela pena de Vasco Rato, que na TV até parece uma pessoa muito civilizada.
O conhecido pensador acha que os barnabés “
sucumbem à lógica do quanto pior melhor"; que “
rejubilam” com a morte de soldados norte-americanos; que “
deitam foguetes” quando morrem civis iraquianos; e que, no fundo, “
choram lágrimas de crocodilo” pelas vítimas da guerra “
porque o mais importante é marcar pontos políticos”. Eu julgava, na minha infinita ingenuidade, que esta boçalidade argumentativa já estava em decadência na blogosfera. Enganei-me, claro.
A boçalidade caracteriza-se por recorrer sistematicamente a processos de intenção. Parte sempre do mesmo “axioma”: quem é contra a guerra é pelo terrorismo (em geral) e pelo Saddam (em particular). A partir daí, vale tudo: quem diz que as coisas estão a correr mal no Iraque “rejubila” com isso, “deita foguetes”, “chora lágrimas de crocodilo” pelas vítimas, vive, enfim, na “lógica do quanto pior melhor”.
É escusado explicar-lhes que ser contra esta guerra não implica ser pelo terrorismo (nem sequer implica ser pacifista, o que eu não sou). É escusado explicar-lhes porque receiam que só o acto de ouvir signifique ceder. Isto é, reconhecer pelo menos alguma razão a quem se opôs à guerra.
Ora isso é-lhes inadmissível. A guerra pode estar a ser perdida no terreno (ganha não está, de certeza); mas de modo algum pode ser perdida no espaço público. Encaram isso como o princípio do fim. Por outras palavras: o debate não é encarado como debate, é só mais um campo de batalha. A boçalidade argumentativa permite ainda aos seus autores manterem uma razoável dose de alheamento face a uma realidade no terreno que lhes é profundamente desconfortável porque, entre outros factores, sabem ser bastante responsáveis por ela.
É também própria de pensadores profundamente sectários ou mesmo totalitários. Foi desta massa que se moldaram em Portugal “verdades” do género “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”. Também foi desta massa que se moldaram os argumentários que permitiram ao PCP andar décadas e décadas a afastar das suas fileiras todos os que tinham dúvidas sobre os “amanhãs que cantam” do outro lado do Muro. Qualquer sinal de diferença é imediatamente diabolizado. Com a diferença não se cohabita; a diferença elimina-se, expulsa-se, apaga-se, seja por que meio for – porque aqui os fins justificam os meios.
Há uma verdade incontornável: foram argumentários boçais deste genéro que criaram o caldo de cultura onde se forjou a actual situação no Iraque. A culpa não é, certamente, de Vasco Rato. Mas é certamente dos vascos ratos norte-americanos que constituem a “entourage” intelectual do sr. Bush. E que inspiram o nosso pensador.
PS – Já sei que alguém há-de dizer que este texto é uma “encomenda” do
Barnabé, etc, etc, etc. Também esse argumento caracteriza a tal boçalidade.