Começou em Abu Ghraib. Seguiu para o museu de Bagdad. Daí para o Vietname. Logo a seguir Berlim. Mais tarde a Catalunha. Depois o País Basco. E, claro, Madrid. No final, regresso ao Vietname. E, finalmente, de novo Abu Ghraib. Remata-se esta louca viagem com o processozinho de intenções acanalhado do costume: "
As imagens de Abu Ghraib são um símbolo do que não pode acontecer em guerra alguma. Para uns [bolds da minha autoria]. Ou nesta guerra. Para outros. Aqueles mesmos que nunca se interessaram pelos meninos do Vietname assim que os últimos helicópteros americanos partiram. Os mesmos que nunca mais se interessariam pelos cárceres do Iraque, caso a coligação se retirasse.”
1. De quem fala Helena Matos? Quem são “
aqueles”? Ou “
os mesmos”? Ou os “
uns” e os “
outros”? Haverá alguma figura nacional que possa, nas suas vastas e largas costas, ser o destino simbólico destas críticas? É do dr. Louçã que fala? Ou está antes a pensar numa figura internacional, tipo Shomsky? Ou em ambos? Não se sabe. Nunca o diz.
2. Esta técnica – já o disse noutras ocasiões e volto a repeti-lo, sempre que necessário - tem um nome: cobardia. A cobardia é uma das marcas do desespero argumentativo. Entrincheirado em posições de suposta superioridade moral, dispara-se em todas as direcções esperando que, ao atingir muita gente, se atinja também o alvo principal. Evita-se, por norma, o debate frontal. É cansativo. E pode-se perder.
3. Há ainda outra coisa que me espanta no artigo de Helena Matos (HM): revela uma profunda falta de inteligência. A articulista tenta sacudir o óbvio embaraço dos acontecimentos de Abu Ghraib invocando factos presentes e passados ocorridos nos mais variados sítios. Baralha tudo numa salada delirante e azeitada pelo insano esforço de reduzir os factos à mera condição de “ícones” – quando antes disso foram apenas factos-factos-e-só-factos, terrivelmente concretos e palpáveis. Relativiza, portanto. E, com isso, legitima todos os que, do lado oposto da sua barricada, procederam de igual forma para justificarem o 11 de Setembro ou o 11 de Março ou o terrorismo em geral.
4. A ausência de inteligência espanta ainda mais quando se verifica que é possível estar a favor da invasão do Iraque e conseguir, perante os acontecimentos de Abu Ghraib, manter uma posição de extrema sensatez. Veja-se, por exemplo, o artigo de Vasco Rato no último
O Independente (
link indisponível). Eis um excerto: “
Tratando-se de uma ocupação que visa a democratização do Iraque, era necessário que Rumsfeld tivesse dado instruções claras sobre a conduta dos militares americanos. Cuidados adicionais deveriam ter sido tomados para evitar qualquer tipo de abuso desta natureza. Porque abusos acontecem em ambientes de guerra, é impossível dizer que não existia essa possibilidade no Iraque. Uma vez que as torturas aconteceram temos de concluir que Rumsfeld não antecipou essa eventualidade. Dito de outra forma, foi omisso quanto às suas responsabilidades. Foi negligente. Por essa razão deveria ser demitido.”
5. Para ter uma vaga ideia de que como se exerce a lucidez – ou seja, de como não vale a pena andar a tapar o sol com a peneira – ler também o artigo de Vasco Pulido Valente (um perigoso esquerdista, como se sabe…) na edição de sábado do Diário de Notícias. Cito: “
A tortura de prisioneiros de guerra (e de outros que não o eram) no Iraque foi apresentada como ‘não americana’ pelo Presidente Bush e, na Europa, como efeito directo da política de Bush. (…) Tudo isto não passa evidentemente de uma conversa absurda. A América é uma sociedade violenta. Uma sociedade em que a violência está no dia-a-dia e se vive no dia-a-dia, como não está e não se vive em Portugal, em França ou em Itália. (…) A barbárie da cadeia de Abu Ghraib só podia ser americana. (…) Abu Ghraib é um sintoma; e um aviso. Não é uma surpresa.”
6. Chega ou é preciso fazer um boneco?