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quarta-feira, dezembro 22

Margarida vai casar (3)

O enfado. O enfado. O enfado.
Estou sentada neste sofá do novo hotel dos Bensaúde, na Horta. É tão bonitinho, o hotel e o quarto que me deram. Olhar o Pico –a única coisa que me interessa hoje nesta cidade agora enfadonha (estou a descobri-lo com pasmo). Mas Margarida sentou-se de pernas cruzadas abraçada às almofadas da minha cama e quer falar. E eu vou ouvir.
O enfado. O enfado. O horror do enfado.

Margarida: “Vou casar com um escritor holandês que mora agora no Pico. Está a escrever um romance sobre os antigos baleeiros”

O enfado. O enfado. O enfado. Eu gostava de conhecer um escritor que fosse ao Pico com a firme intenção de não escrever sobre baleeiros. Soubesse eu que havia um escritor assim, que se recusasse a conhecer qualquer baleeiro – e muito menos a escrever sobre ele – era provável que me interessasse pelo seu trabalho.
Mas Margarida não deverá perceber o peso do meu enfado, mágoa desnecessária. Dou-lhe, assim, um sorriso espartano.

Margarida: “Ele pôs-me no romance. Disse que um dia acordou de noite, esteve a observar o meu sono e não resistiu. Abriu o computador. Agora estou no romance dele. Consegues perceber isto, eu, Margarida Dutra, dentro de um romance que não escrevi?”.

- Não se deve casar com um escritor. Ele dá-nos a imortalidade. O que tu amas é a tua imortalidade, Margarida. Podes estar a amar apenas a tua imortalidade.

Dou-lhe outro sorriso espartano, mas pressinto que ela não o vê.
|| asl, 15:13

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