hoje estava no ginásio a suar 30 minutos num daqueles aparelhómetros e a olhar para os écrãs das tvs (para quem não sabe, nós os dos ginásios suamos a ver tv) quando na sic notícias passava uma entrevista a uma palestiniana a quem a família quis castigar por ter tido sexo antes do casamento queimando-a viva.
regaram-na com gasolina e chegaram-lhe um fósforo, para 'lavar' a 'honra'. chama-se a isso, como muitos de nós já sabem, um crime de honra, e são aos pontapés, nos países chamados islâmicos (e não só). a rapariga, então com 17 anos, não morreu, apesar de ter ficado num estado lastimoso (a crer no aspecto dos braços, a única parte de pele que lhe vimos -- o resto, incluindo a cara, estava coberto com um manto negro) e foi levada para fora da palestina por uma organização que se dedica a lutar contra estas barbaridades.
no écrã ao lado, passava na mtv um vídeo hip hop, com um rapaz a gesticular e um ramalhete de moças semi despidas a bambolear-se. não reparei na banda, mas vídeos com rapazes a gesticular rimas que incluem invariavelmente bitch e raparigas semi-despidas a bambolear-se à volta deles como se fossem deus renascido é mato na mtv. e noutros sítios.
não tenho nada como raparigas semi ou mesmo despidas. mas vê-las usadas como adereços em clips é coisa que me irrita solenemente. e irrita-me tanto mais quanto ninguém parece sequer reparar nisso, quanto mais irritar-se. para não falar do que me irrita que as próprias não se irritem com isso. enfim, eu irrito-me muito (mas isso toda a gente já deve ter percebido).
haverá quem, perante isto, diga que há coisas que nunca mudam. e que o nível de objectificação e de desrespeito pelas mulheres é uma espécie de inevitabilidade e que nos devemos dar por muito satisfeitas por já não sermos queimadas vivas por dá cá aquela palha e podermos abanar o rabo em vídeos sem vir atrás de nós um mano ou pai torquemada qualquer de tocha na mão.
eu acho que não. acho que temos andado distraídas e que temos tendência para facilitar e perdoar e contemporizar.
acho que temos andado com medo de ser ridículas. medo de que nos achem ridículas e nos chamem histéricas e obsessivas e obcecadas e obstinadas e nos digam que o nosso mal é não sei o quê.
o nosso mal é esse, precisamente: não sabermos qual é o nosso mal.
sou suspeita, bem sei, mas para mim o nosso mal é não nos irritarmos mais.
f.