Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

segunda-feira, junho 6

much ado about everything

o joão peter pan acha que afinal os clips hip hop são mesmo um bocado machistas. mas acha também que não vale a pena irritar-me por tão pouco. porque, diz ele, é a excepção.

a excepção.

e que eu tenho uma pulsão normalizadora, quiçá totalitária.

pois. como é que hei-de dizer? nas palavras imortais do almirante, não gosto de ser esteriotipada (isto é, reduzida a estereótipo). é uma coisa que me chateia. não gosto e reajo mal. como reajo mal ao ver a repetição ad nauseum dos estereótipos de menoridade da mulher em quase todos os lados para que me viro.

ad nauseum quer dizer até ao vómito. até não poder mais, e then some more.

excepção?

estou imersa todos os dias, de manhã à noite, em propaganda anti-mulher. propaganda que diz que as mulheres são menos válidas, não são suficientemente inteligentes ou tão inteligentes como, só servem para certas coisas, são indefesas, são vítimas, são, basicamente, inferiores.

mas deve ser dos meus olhos.

quanto ao pobre do politicamente correcto, dificilmente se encontra uma ideia tão mal compreendida e tão maltratada. o politicamente correcto é só, na sua génese, a assunção de que a linguagem não é neutra (alguém discorda disto?) e que exprime e impõe formas de dominação e de exclusão. e que se queremos rejeitar essas formas de dominação devemos agir também na linguagem.

coisas tão básicas como deixar de usar a expressão judiaria (que segundo o dicionário quer dizer maldade, entre outras coisas) porque é insultuosa para os judeus. ou ciganagem como sinónimo de ladroagem ou aldrabice. ou preto como sinónimo de estúpido. por exemplo. ou, voltando ao masculino/feminino, perceber que ter tomates é ser corajoso e ser um conas é ser cobarde. que quando se quer elogiar uma mulher se diz que se portou como um homem ou 'é tão boa como um homem' e se se quer apoucar um homem se diz que se portou como uma mulherzinha. que quando um menino chora, para o fazermos calar, lhe dizemos 'não sejas menina'. etc. etc. etc.

(eu e as minhas amigas, que temos andado a usar, pelo que nos culpabilizamos (e com culpa grossa, não fina) estas expressões misóginas, decidimos hoje, neste instante, depois de falarmos ao telefone umas com as outras e depois de grande e aturada reflexão de cerca de um minuto, substituir os tomates, como símbolo de coragem, por mamas. também são redondas e a adaptação é fácil: uma gaja corajosa é a que as tem no sítio, bem grandes, e bem rijas. não interessa se visualmente se constata que isso não é verdade: onde é que já se viu uma mulher com tomates, ou quem é que sabe se os homens corajosos têm tomates grandes ou pequenos? as metáforas são metáforas e pronto.)

quanto àquilo que me falta, joão, confesso que é muita coisa.

mas, correndo o risco da arrogância (que não é das coisas que me faltam), decerto não será ironia e humor. e essa da 'culpa fina', vais-me desculpar, parece-me um pouco falha de graça. sinto culpa, fina ou finíssima, por não me faltar (dizes tu) aquilo que, escrevi, supostamente me faltaria, justificando o meu mau humor feminista? ou sinto culpa por efectivamente me faltar aquilo que, escrevi, supostamente me faltaria e, escreveste tu, talvez não me falte ou é irrelevante que me falte ou não? Ou, ainda, sinto culpa por ser irrelevante que me falte ou não aquilo que supostamente pela sua falta justificaria aquilo que sou?

para quem já se perdeu, as questões devem ser endereçadas à terra do nunca, ao cuidado de peter pan. se ele tiver ido à procura da wendy, a sininho ou o capitão gancho tomam conta da ocorrência.

f.
|| asl, 23:48

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