Estava em casa, ontem à noite, a tomar notas num bloco sobre este "caso Felgueiras", quando surge na Quadratura do Círculo José Pacheco Pereira dizendo algo que eu próprio acabara de escrever: de entre as várias responsabilidades neste caso não se pode esquecer a dos eleitores, sim, dos eleitores,
dos que supostamente têm sempre razão. Pacheco Pereira diz isto e eu a trovejar palavrões mais palavrões, "
o homem matou-me o post" e coisas assim. O que fazer? Olha, que se lixe, escreve-se tudo à mesma. E é assim.
Esta história de Felgueiras envergonha toda a gente. Envergonha, em primeiro lugar, a própria Fátima Felgueiras, personagem demencialmente cega ao mal que está a fazer a si própria, à imagem global da classe política (e dos autarcas em particular), e, também, à sua terra, alvo, no mínimo, de chacota nacional.
Envergonha também o PS - nacional, distrital e local - que a reconduziu em 2001 como candidata autárquica quando já existia uma (amplamente noticiada) investigação judicial. Envergonha o PS - nacional, distrital e local - pelo que aconteceu em 2001 mas também o PS de agora. Porque reparem: ninguém se deu ao trabalho de expulsar a senhora do partido - e parece-me que fugir à justiça é um bom motivo para um partido expulsar um seu militante. A coisa é patética ao ponto de se ter ficado a saber, ontem, que não só o PS não expulsou a senhora como até foi ela que saiu do partido, pelo seu próprio pé. Por isto e por tudo o mais era importante que, no julgamento, Fátima Felgueira fizesse aquilo que em bom português se chama pôr
a merda na ventoinha, contando a história completa, com os nomes todos, e deixando-se de ameaças veladas. A sanidade política do regime – e do PS como forte sustentáculo desse regime – exige-o. Ressalvo aqui, na questão do PS, duas pessoas que não se deixaram afogar neste lodo: uma está viva e chama-se Francisco Assis; a outra já morreu e chamava-se
Barros Moura.
Esta história envergonha, além do mais, a Justiça portuguesa (quem legisla e quem aplica). Não cabe pura e simplesmente na cabeça de ninguém que uma pessoa fuja à justiça e depois regressse e vá sossegada para casa. Não percebi ainda bem em que se sustentou a justiça para a libertar. Mas custa-me a crer que alguém possa, em seu perfeito juízo, ter argumentado que já não havia perigo de fuga. Não há perigo de fuga para quem já fugiu uma vez? Por amor de Deus! A decisão representa, além do mais, uma verdadeira escola do crime (quem quiser fugir já sabe como regressar sem problemas). Sendo que se sente no ar um insuportável cheiro a decisão negociada entre a arguida e as autoridades judiciais.
Por último, os eleitores, aqueles que supostamente têm sempre razão (princípio que partilho mas que, evidentemente, como todos, tem excepções, sendo esta uma delas). Parte do “caso Felgueiras” resulta do facto de a senhora continuar a dispor, aparentemente, de uma forte base eleitoral na sua terra – a qual, aliás, usa e abusa de um “argumento” eleitoral insuportável, o da coacção física.
Em 2001 já a investigação judicial era amplamente noticiada – e mesmo assim Fátima Felgueiras foi reeleita presidente, com uma maioria absoluta bastante segura (52 por cento). Admito que tenha sido uma excelente autarca. E que na terra as alternativas da oposição fossem muito fracas (o poder corrompe e a falta de poder corrompe muito mais). Mas, muito francamente, de que vale a um eleitor eleger uma excelente autarca que está a braços com a justiça e que pode, a qualquer momento, ser forçada a abandonar o mandato (ou a fugir para o Brasil)? A questão nem é, apenas, ética ou moral, é, acima de tudo, prática. Não perceberão que ao eleger candidatos que estão na mira da Justiça estão a potenciar situações de absoluta ingovernabilidade da autarquia – como aliás aconteceu em Felgueiras neste mandato – acabando por se prejudicar mais do que se beneficiar?
Este caso suscita, de facto, múltiplas perplexidades, face a diversas actuações de diversos poderes. É pura cegueira – populismo peronista, no caso - desconsiderar desses poderes o poder dos eleitores.