Algumas notas, face à animada conversa que tem tido lugar no
Mau Tempo e nos
Bichos Carpinteiros. Com a distância de quem (cada vez mais) não tenciona votar em ninguém e não tem remorsos nenhuns por isso.
1. José Medeiros Ferreira queixa-se que a comunicação social (leia-se: televisões)
tratou mal a apresentação da Comissão Política de Mário Soares, segunda-feira passada. Tendo recebido testemunhos directos do que foi o "acontecimento" (aspas com valor de ironia), digo o seguinte: tratou mal - e muito merecidamente. Não se transporta o candidato para um "acontecimento" onde ele se recusa a falar, transferindo a competência para um porta-voz, por mais qualificado que ele seja. A função de porta-voz exerce-se na ausência daquele a quem se porta a voz; não na presença. É rídiculo; patético. E não é agora, dez anos depois de ter falado a toda a hora e a todo o minuto sobre tudo e mais alguma coisa, que Soares se pode dar ao luxo do silêncio. Números destes são um poderoso rastilho para o candidato ver piorar o seu problema de
bad press.
2. Além do mais, a dita Comissão Política, pelos nomes que vi transcritos, não representa nada de novo. Nada que não se esperasse numa comissão política de apoio a Soares. Como se sabe, no negócio do jornalismo o
novo tem a sua importância. É a vida. Ou, como alguém disse: habituem-se!
3. José Medeiros Ferreira e
Francisco Trigo de Abreu sugerem que os
media andam com o prof. Cavaco Silva ao colo. Aqui estou de acordo. O professor beneficia de um estado de graça absolutamente impressionante. Fez por isso, diga-se. Até já parece uma pessoa simpática, mesmo acessível.
Limaram-lhe as arestas, por assim dizer. O nível está de tal forma estratosférico que, a partir de agora, apresentando-se formalmente, dificilmente não descerá.
4. Isto é, inegavelmente, um
handicap para Soares. Portanto, para não agravar as coisas convém não protagonizar burrices mediáticas, como foi o da apresentação da Comissão Política. E há outra coisa: o pior
handicap de Soares nem é este; o pior é ele próprio (o carácter
déjà vu da candidatura e, sobretudo, o facto de ser pura e simplesmente impossível acreditar que Soares, em sendo eleito, consiga resistir à tentação de se intrometer na governação). Essa não vai pegar, por melhor que sejam o
marketing e/ou a assessoria de imprensa. Não há milagres.
5. Apoiantes de Soares queixam-se de que Cavaco está a ser levado ao colo; Já no lado de Cavaco
há quem ache que Soares "goza de um tratamento privilegiado na comunicação social portuguesa". Em passando os dias e as semanas esta conversa há-de tornar-se cada vez mais agreste. Faz parte da guerra. Nestes momentos, uma das armas é sempre a tentativa de condicionamento mediático. Por isto mesmo, digo: sujeitos com posicionamentos "
partisan" face a candidaturas não têm autoridade para pedirem que os julguemos isentos quando criticam a cobertura mediática. Trata-se de uma questão simples de conflito de interesses. Os próprios deviam perceber que isso lhes fere de morte a autoridade para comentar outros assuntos, em relação aos quais lhes é reconhecida distância.
6. Por último: é no lado soarista que me parece ser mais sonora a crítica aos
media. Representa, claramente, um discurso de antecipação da derrota - e nisto
o Martim tem inteira razão - um discurso que só potencia perdas de votos e de apoios. Por mim, muito sinceramente, é para o lado que durmo melhor. Está na hora da esquerda levar um banho de humildade.
PS - Sim, é verdade, se calhar estou em pleno desvio de direita. Qualquer dia deixo de fumar e passo a frequentar o ginásio e sabe-se lá que mais. Calma. Um dia não são dias. Isto passa.PS2 - O David também escreveu sobre este assunto. Está aqui.