O livro
Uma Longa Viagem com Álvaro Cunhal (edições Asa), de João Céu e Silva (declaração de interesses: foi meu camarada de redacção no DN e é um amigo, apesar de não o ver frequentemente), foi apresentado sábado na FNAC-Colombo e juntou à mesma mesa Urbano Tavares Rodrigues, amigo político e literário de Álvaro Cunhal, e Pacheco Pereira, autor da biografia não oficial, não autorizada de Álvaro Cunhal.
Reunir Pacheco e Urbano não é vulgar e foi bem interessante – pelo menos a parte que ouvi. Percebiam-se as diferenças de opinião sobre a personagem – Álvaro Cunhal, líder histórico do PCP – e, por uma vez [quando se falou do simbolismo e da forma como Álvaro Cunhal se olharia a si próprio (herói ou modelo?), através dos livros de ficção que escreveu como Manuel Tiago] as opiniões de Urbano e Pacheco “chocaram”. Diplomaticamente. O DN faz (e bem) esse relato,
aqui.
Enquanto a discussão, na mesa, balançava entre Urbano e Pacheco sobre o culto da personalidade – o biógrafo não-oficial de Cunhal acha que não existiu no PCP –, uma pessoa acompanhava, discreta, a conversa. Era a irmã, Eugénia, que, no livro, dá uma rara entrevista sobre o irmão. E olhando bem, ainda se viam outras pessoas ligadas ao PCP, inclusivamente do Comité Central.
Pacheco Pereira já o tinha escrito na biografia política de Cunhal (II volume) e voltou a dizê-lo no sábado: Manuel Tiago mistura a sua vida e a do partido na trama dos seus livros em que o que é importante e valorizado é o "colectivo partidário". Projectando-se a si em vários personagens. Urbano Tavares Rodrigues, autor de “A Obra Literária de Álvaro Cunhal”, tem uma versão diferente e mais simples: os textos literários de Cunhal têm, lá dentro, “o povo português”.
De Urbano guardo ainda uma confissão: ele e muitos tiveram, durante anos, "uma fé" no comunismo. Não para "chegar ao paraíso", mas para chegar a uma "sociedade sem classes" e "mais justa". Essa
fé de Urbano e de muitos comunistas portugueses (e de todo o mundo) ainda (sobre)vive em muita gente. Uma "fé" que sobreviveu à queda do império comunista. Uma "fé" que sobreviveu à falência de um modelo que teve como referências as obras de Marx e de Lenine.
Eu, como sou um simples leitor, limito-me a ler e a descobrir (nos livros de Urbano, Pacheco e do João)
estórias que ainda não sabia. E isso é óptimo. Especialmente se são bem escritas!
O livro do João Céu e Silva – que li logo após o seu lançamento, em Setembro – é uma viagem sobre as personagens verdadeiras, incluindo a do próprio Cunhal, e a sua influência na obra de ficção de Manuel Tiago, o Álvaro Cunhal em versão literária.