Um dias destes, a propósito da despenalização do aborto, ouvi na rádio a deputada Helena Pinto, do Bloco de Esquerda, defender a imperiosa necessidade de se "
derrotar a direita conservadora". Isto mesmo: "
derrotar a direita conservadora", sem tirar nem pôr.
É disto que eu tenho medo num referendo ao aborto: dos pró-"sim". E tenho mêdo justamente porque sou pró-sim. Assim, a primeira pedagogia deveria-se dirigir-se-lhes. Alguém tem de explicar à deputada Helena Pinto - e, provavelmente, a todo o Bloco de Esquerda e ao PCP e até aos sectores mais radicais do PS -, que isto
não é uma luta político-partidária.
Não está em causa "derrotar a direita conservadora". Isso é tarefa para outros actos eleitorais (legislativas, autárquicas, europeias, presidenciais), não é para um referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária de gravidez. A mim, quando me atiram com o argumento da "derrota da direita conservadora", põe-me logo a pensar que o que os move não é de facto impedir que haja mulheres julgadas em tribunal por abortar - é apenas apanhar a boleia do referendo para mais uma batalha eleitoral que projecte e engrandeça bases eleitorais de partidos.
Portanto: tudo o que interessa é, apenas e só, revogar os procedimentos criminais contra as mulheres que abortam. E possibilitar-lhes condições legais de absoluta segurança médica. Só e mais nada - e não é pouco, eu sei.
Tudo o resto é excluir milhares de eleitores da consulta popular. Ou seja, é condenar o "sim" à derrota - sanção lógica para quem se tentar aproveitar oportunisticamente, para efeitos de engrandecimento eleitoral, de uma luta que
não é partidária, é exclusivamente humanitária.
PS1 -
Mas já agora acrescento: tenho a certeza de que haverá tendência para, do lado oposto do leque partidário, transformar um referendo sobre o aborto num referendo à governação do PS. Volto a dizer: o eleitorado tenderá a punir quem fizer aproveitamentos oportunísticos desta consulta popular.
PS2 -
A bem da vitória do "sim", um outro argumento deveria ser arquivado: aquele do "na minha barriga mando eu", popularizado por Ana Drago. A mim, enquanto cidadão do sexo masculino, este argumento exclui-me do debate. Nesta paróquia chamada Portugal, há milhares e milhares de homens que agradecerão sinceramente serem excluídos deste debate. E a abstenção - já o sabemos - joga a favor do "não".