Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

segunda-feira, outubro 31

Sobre o cumprimento de promessas eleitorais

Censura-se violentamente José Sócrates por romper uma promessa eleitoral (a dos impostos). Censura-se violentamente José Sócrates por manter uma promessa eleitoral (a de manter o referendo sobre o aborto).

No que ficamos?

Seria melhor assentar num ponto: é disparatado exigir uma espécie de cumprimento à la carte do programa do Governo: aplaudir (ou não aplaudir) o cumprimento (ou não) de medidas conforme elas nos agradem ou não. Em Fevereiro o país deu maioria absoluta ao PS; quer se queira quer não, legitimou um programa eleitoral inteiro, todo, em pacote. E, como se sabe, o programa do Governo até decorre do programa eleitoral (o primeiro foi até acusado de ser um simples copy paste do segundo).

Aliás, há mais: o compromisso de Sócrates com a realização de um novo referendo ao aborto já vem da sua eleição para secretário-geral do PS. Vinha na moção que apresentou ao partido. Portanto, tem dupla legitimação: primeiro interna, no PS; depois externa, no país. Romper esse compromisso, agora, representaria uma dupla violência: para os eleitores mas também para os próprios militantes do PS, que elegeram Sócrates secretário-geral do PS (e assim candidato do PS a primeiro-ministro).

Devo dizer que, pessoalmente, defendi uma opção diferente: antes das eleições de Fevereiro considerei que a despenalização do aborto deveria ser matéria de compromisso eleitoral dos que a defendessem (e nesse momento o PS já o podia fazer porque estava "removido" o principal obstáculo, o "social-cristão" António Guterres). Assim, se a matéria fosse objecto de compromisso eleitoral, e se aos partidos que defendessem a despenalização fosse dada a vitória nas legislativas, as próprias eleições serveriam para selar a revogação do referendo de 1998. Seriam uma espécie de referendo indirecto.

Mas Sócrates não foi por aí - e, recordo novamente, obteve para isso a primeira legitimação no seu próprio partido. O seu argumento era indiscutivelmente forte: o "escrúpulo democrático". O que foi feito por referendo deve ser desfeito por referendo. Nada há de mais democraticamente substantivo do que o respeito pelo voto. Ou seja: admito perfeitamente o argumento; acho-o mesmo imbatível. E daí que compreenda perfeitamente a decisão da manter a consulta popular, face à decisão do Tribunal Constitucional.

Uma última nota: seja como for, o PS está tudo menos isento de culpas na demora deste referendo. É aliás rigorosamente o único culpado. As legislativas foram em Fevereiro. O Governo tomou posse em Março. Para mim ainda é um completo mistério perceber como é que o PS, no Parlamento, não conseguiu que o referendo fosse convocado até meados de Junho. Havia tempo. Das duas, uma: ou é incompetência ou é má-fé. Julgo que em Setembro de 2006 perceberemos.
|| JPH, 00:30

0 Comments:

Add a comment