1. Falhei por completo as minhas
previsões. Enfim, acertei numa vitória à primeira de Cavaco. Mas, no campo da esquerda, falhei tudo. Nunca supus que a rejeição a Soares - de que falei
aqui - assumisse as humilhantes proporções que assumiu (no seu próprio resultado e na consequente transferência de votos para Alegre). É definitivo: campanhas ultra-agressivas, como foi a de Soares em relação a Cavaco, não só não rendem um voto como subtraem (e muito). Soares só confirma, pelo tipo de campanha que protagonizou, os desaires de Santana e de, por exemplo, Carrilho. Isto só lá vai com falinhas mansas. Prova disso é a campanha de cemitérios levada a cabo por Alegre. Não me queixo nem censuro. É o que é e mais nada. No que toca a eleições subscrevo o velho princípio: os clientes têm sempre razão.
2. O resultado tangencial de Cavaco - e é tangencial, quer se queira quer não - prova que era possível à esquerda vencê-lo, em tendo-se organizado para isso. Não quis, não conseguiu, azar o seu. Pôs-se a jeito para um banho de humildade, e teve-o. Agora aguentem-se.
3. Uma vitória tangencial para Cavaco é melhor para Cavaco do que uma vitória esmagadora. Tendo 50,6 por cento ninguém lhe poderá agora pôr agora às costas toda a solução do famoso "problema nacional". Se tivesse obtido 55 (ou mais) por cento ninguém lhe desculparia o desgoverno do país. 50,6 por cento aliviam-lhe o peso da expectativa.
4. O Bloco enfrenta graves problemas. Francisco Louçã - cujo discurso comicieiro na noite eleitoral se revelou tremendamente patético - é um trunfo em esgotamento. E não se vislumbra alternativa interna à altura. O PCP de Jerónimo - essa extraordinária mistura de ortodoxia com mediatismo -, está-lhe a ganhar a guerra. Se fosse a Louçã aproveitaria os próximos três anos para mais um doutoramento nos EUA.
5. Há quem censure Sócrates por ter atropelado Alegre na noite televisiva de domingo. Sim, sim, pois, pois. Mas guerra é guerra e nas noites eleitorais a guerra faz-se num sítio: as televisões. Preferiam o quê, as televisões? Que os protagonistas políticos se pusessem em fila à espera de poder falar, tirando um tiquet, como na peixaria do supermercado, obedientes e pacientes? Os directores de informação são jornalistas. Façam então escolhas, que é para isso que lhes pagam. (Além do mais, não foi só Sócrates que atropelou Alegre; Jerónimo fez o mesmo com Marques Mendes e Cavaco, ao sair de casa, fez o mesmo com Jerónimo.)
6. Como será Cavaco em relação a Sócrates? Não sei. Ou melhor, sei o que a história ensina: no pós-25 de Abril nunca nenhum Presidente eleito se esforçou muito a ajudar governos em dificuldades. Preferiram todos - muito naturalmente - deixar em exclusivo para os chefes do Governo o papel de mau da fita. A bola está no campo de Sócrates. O qual saberá - presumo eu - que nenhum Governo ganha entrando em guerra com o Presidente.
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