Um dia, lendo um guia do
Expresso, dei com referências muito elogiosas a um restaurante no Algarve montanheiro chamado qualquer coisa completamente inesperada como isto: Casa da Tia Anica. Assim que pude fui lá e ainda hoje me espanto com o que encontrei. Na verdade não era um restaurante; era mesmo uma casa, curiosamente da tia Anica. Uma cozinha como as outras todas, quartos no andar de cima, uma sala de jantar e de estar, uma mesa de seis lugares com um naperon no centro, uma fruteira com maçãs, laranjas e bananas, naturalmente de plástico. E uma televisão e um sofá onde estava sentado o marido da tia Anica, comentando com os convidados as últimas "incidências" da bola. A tia Anica e o marido receberam-nos como se fôssemos seus filhos. E até tinhamos uma criança para lhe fazer de neto.
O espanto não acabou aqui. A seguir a tia Anica serviu-nos o almoço. E contou-nos a sua vida. Nascera ali, no Algarve montanheiro, na fronteira com o Alentejo. A certa altura o destino levou-a a Marrocos. E lá serviu como cozinheira na embaixada de França. Imaginam portanto o que este trajecto lhe fez à culinária: o melhor do Algarve (que é o seu interior); o Alentejo; a cozinha magrebina; e uma certa sofisticação francesa. Resultado: um almoço absolutamente inesquecível. E uma dúvida que nunca esclareci: porque carga de água o tipo do Expresso que escreveu aquilo não guardou este segredo só para ele? Não saberia ele que há coisas tão boas tão boas tão boas que, por via de serem tão boas, quase se tornam íntimas?
Sim, arrisco dizer: em certas religiões o nome de Deus não se pronuncia; noutras é o profeta que não pode ser retratado. Na minha religião pessoal, o segredo aplica-se à felicidade. Por regra, não falo publicamente de experiências que me deixam espantado de alegria. Recuso-me - apesar de todas as incompreensões. É pudor, simplesmente. Conservo a alegria guardando-a só para mim. E só digo isto porque percebi - talvez tarde - que devo uma palavra à
Dª. Graça, que me providenciou um dos três melhores almoços da minha vida. De sempre.
Aguardo, agora em paz comigo mesmo, o próximo encontro.