isto das pessoas que fazem por nós o chamado trabalho doméstico é um assunto muito mas muito complicado.
não podemos passar sem elas -- acreditem, já tentei -- mas também quase nunca podemos com elas.
creio que elas sentem o mesmo em relação a nós, sendo que, para mal dos nossos pecados, a reciprocidade só se aplica à segunda asserção: é que essas pessoas parecem ter sempre outros pardieiros para limpar, varrer, engomar e dar brilho, e ao mínimo remoque põem-se a milhas.
tipo: ó x, tem de ter mais cuidado, partiu o aspirador todo e no processo de partir o aspirador partiu as esquinas todas da casa. isto num tom o mais simpático possível, tentando não ranger os dentes e não deitar chispas pelos olhos, o que só é possível se se passou para aí uma hora a gritar impropérios e chamar nomes à pessoa antes de ela se materializar à nossa frente. resposta: já percebi que é muito exigente e não está contente com o meu trabalho e também não admito que me falem assim, portanto o melhor é fazermos contas já aqui.
isto para não falar das conversas que as pessoas que nos limpam a casa têm com outras pessoas sobre nós e a nossa casa e, sobretudo, o facto de não deixarmos a casa limpa para elas não terem de a limpar.
deve ser por estas e outras que há quem tenha a tradição de arrumar a casa e limpar 'a maior' (adoro esta expressão) no dia/hora anterior ao dia/hora a que a a pessoa vem. há coisas que, definitivamente, não queremos que aquela pessoa com a qual temos uma relação desproporcionadamente íntima veja/encontre/perceba.
não dá jeito nenhum, por exemplo, ter companhia daquele género intempestivo nos dias/horas aprazados para a pessoa, sobretudo quando a casa não tem duas portas e não há maneira de sair pela janela.
não dá jeito deixar fotos alusivas ou outros artefactos figurativos à mão de varrer naqueles dias. pelo que é difícil manter a coisa num certo nível -- mas possível, com muito esforço. o problema é que às vezes as pessoas trocam as horas e os dias. e como têm a chave da nossa casa e o desagradabilíssimo hábito de entrar por ali adentro e virar tudo ao contrário, as tragédias acontecem.
como a que aconteceu a uma amiga minha hoje de manhã: depois de um fim de semana muito bem sucedido em que uma noite foi passada na casa dela e outra na casa de outrém, quando meteu a chave na porta hoje de manhã (ou a meio do dia, não percebi bem), deu com a pessoa toda contente a vasculhar-lhe as intimidades mais recônditas, no caso um artefacto muito realista e extremamente bem apessoado que ela, nos transportes da alvorada de sábado, tinha perdido nas pregas do edredão.
e que fez a pessoa? pôs-lhe aquilo debaixo da almofada, tipo dentinho de leite à espera de um milagre da fada madrinha.
apre.
a desgraçada da minha amiga, se lhe desse para hiperventilar, tinha-se hiperventilado toda no momento em que levantou a almofada, depois de a pessoa lhe explicar que tinha resolvido 'mudar os dias'.
vai daí, voltou a sair de casa sem ai nem ui. ainda deve estar no café a ler jornais e a pensar como vai, doravante, encarar a pessoa.
bom, pelo menos, pensei eu, a pensar na miranda de o sexo e a cidade, não lhe substituiu aquilo por uma santinha. já é qualquer coisa.