toda esta discussão sobre a manipulação no jornalismo, sobre o jornalismo que manipula e é mau e o que não manipula e é bom, deixa-me um pouco baralhada. é que, por definição -- e já estou a ouvir o tropel da indignação néscia -- jornalismo é manipulação.
manipulação, claro, tem um duplo sentido: o de tratamento, de trabalho manual, de intervenção humana, e o de intervenção perversa, viciosa, de orientação desonesta, de distorção.
e claro que o jornalismo pode ser manipulador na dupla acepção do termo. aliás é sempre, também, distorção. porque fazer jornalismo é construir uma visão a partir de parcelas. parcelas de observação, directa ou não, parcelas de discurso de outros (e a parcela que se escolhe implica sempre o silenciamento das outras), parcelas de informação pré-existente. é na honestidade colocada na construção dessa visão que reside a distinção entre a distorção 'benigna' e a outra.
todos os jornalistas têm opiniões sobre o assunto/pessoa sobre o qual reportam. mesmo que nunca tivessem ouvido falar do dito, no espaço de tempo em que reúnem elementos para a construção da peça criam uma perspectiva. é desejável que o façam, e que o façam conscientemente. o jornalismo implica uma interpretação da realidade -- é-o sempre, mesmo que o suposto jornalista não se dê conta disso e que a sua interpretação seja a da ignorância.
ser honesto é ter consciência dessa interpretação e fazer um esforço para que ela seja, por um lado, visível, e por outro, não impeditiva da expressão dos 'vários lados da questão'. isto partindo do princípio de que todas as questões têm 'vários lados'.
todo o jornalismo é um olhar -- como o olhar televisivo, cuja falsa inocência e cuja falsa naturalidade joão lopes há anos desmonta -- e a honestidade implica que esse olhar se dê a ver, em vez de, como tantas vezes parece defender-se, se esconder.
a verdade reportada é sempre a verdade de que o jornalista pode (e quer?) aperceber-se. pureza nenhuma, senhoras e senhores. só a do olhar, que é sempre puramente individual.