lembro-me da primeira vez que vi a capa do só, de antónio nobre. era uma edição muito bonita, da minha irmã, com o título gravado em pele. só, o só -- o nome do autor estava na lombada -- era uma proclamação altiva, de fábula. devia ter uns nove ou dez anos e fiquei a olhar para aquela extraordinária palavra de duas letras, a pesar-lhe o silêncio e o presságio. e a compará-la com a versão mais comum, adocicada, piegas, do diminutivo. durante anos, passei a evitá-lo na escrita, a batalhar nas aulas de português pelo seu banimento da linguagem corrente. depois, suponho que esqueci essa guerra.
lembrei-me dela a propósito de um post de
pedro mexia sobre a pergunta 'vive sozinho?'.
há um coitadinho na rima da palavra, uma apreciação apriorística sobre a infelicidade da solidão que me foi sempre incompreensível. 'estás sozinha?' é um insulto sob a forma de pretensa simpatia. sozinhas estão, talvez, as crianças -- porque são pequeninas e precisam de defesa e amparo. os adultos, se forem a sério, estão sós. mesmo quando acompanhados, claro, mas isso é outra história.