Glória Fácil...

...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]

quarta-feira, setembro 27

Nas trincheiras

Na recruta do meu Serviço Militar Obrigatório, até mesmo em plena semana de campo - quatro ou cinco dias a brincar aos soldados nos pinhais e pistas de combate na Carregueira, com saltos no escuro de quatro metros de altura para lagos de pedreiras às quatro da madrugada, e tudo terminando com uma maratona de praí uns 30 quilómetros até à Ajuda em que, além de carregarmos as mochilas, o cantil e a puta da G-3 tivémos de dividir entre nós um mastronço transmontano de 90 quilos que se começou a vomitar todo de exaustão nos primeiros 500 metros - dizia eu que na minha recruta do SMO (três mesitos, cousa pouca, apesar de tudo) a única maneira que arranjei que manter a saúde mental no meio daquele disparate todo foi lendo todos os dias, disciplinadamente, bocadinhos de uma edição do Expresso que tinha para lá levado quanto entrei. Perguntam-me: o Expresso? Respondo: sim, o Expresso. Para já na altura era o único jornal verdadeiramente decente.

E eu, na minha falta de informação face ao que me esperava, tinha-me esquecido de pôr livros no saco. Calhou ser o Expresso. Além disso o jornal dizia-me que havia que havia uma realidade fora do quartel(quem passou por quartéis sabe bem que são sítios fora do mundo, tanto fazendo que sejam no meio da baixa de Lisboa como no meio da serra da Gardunha) e era isso exactamente que eu queria saber: havia mundo lá fora. A ficção ou a poesia nisso não me ajudariam nada, pelo contrário.

Ora isto de ler jornais era muito mal visto entre os brothers in arms. Calhou-me um pelotão lúmpen, de ciganos de Setúbal a pastores da Serra da Estrela passando por toxicodependentes de Chaves e trolhas dos Açores (grandes soldados, devo dizer, e não ironizo: inteligentes, fortes, organizados, tipos cinco estrelas). Os camaradinhas achavam portanto que aquilo de ler jornais uma coisa muito parva - muitos mal sabiam o abecedário -, arrogante, para não dizer completamente abichanada (eu vinha de Carcavelos, já imaginam o que é ser betinho no meio destes grunhos todos - a excepção, repito, foram os açorianos). Mas enfim: não desisti e a coisa ajudou-me a sobreviver, falo muito a sério.

Via maradona chega-se a este extraordinário blogue: um soldado mantém no Iraque o passatempo mais improvável, a ornitologia. Haja naquelas bandas quem se esforce por continuar saudável.
|| JPH, 11:16

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