quando em 1998 marcelo e portas fizeram campanha pelo NÃO, então como líderes do psd e do pp, juravam que a criminalização que a lei de 1984 (que está ainda em vigor) impõe às mulheres grávidas que decidem abortar sem pedir a um médico que decida por elas não interessava porque nunca se aplicava. nove anos e vários julgamentos depois, querem que se aplique a suspensão dos julgamentos.
note-se que marcelo e portas (este último membro de um governo de 2002 a 2005, altura em que decorreram vários julgamentos por aborto) não consideraram que até agora, 'às portas' do prometido novo referendo, a sua consciência moral e cristã lhes impusesse a proposta que agora se preparam para 'dinamizar' no parlamento. nem lhes terá ocorrido em 1998, quando festejavam algo atónitos uma vitória que até ao último momento lhes parecera impossível (marcelo chegou a admitir a derrota e clamar pela 'não validade' do referendo devido ao reduzido número de votantes) que a partir daí os actores judiciais iriam ter motivos acrescidos para cumprir a lei tal como é. não. nessa noite, o que se ouviu de um portas impante de sorridente beatitude foi 'ganharam os bebés'.
alegar que se pretende suspender a criminalização das mulheres que abortam é, mais uma vez, querer varrer o assunto aborto para debaixo do tapete. haverá abortos, claro, de todos os géneros -- os do citotec feitos em casa por adolescentes com cinco meses de gravidez que vão parar ao hospital a esvair-se em sangue e com o feto dentro de um saco de plástico e os das clínicas de 700 euros e os das enfermeiras de 500 euros -- e criminalização, claro (suspender processos não é 'descriminalizar') mas espectáculo de julgamentos, não. ficará tudo nos corredores da pj e do ministério público e nos gabinetes de um juiz magnânimo, que decidirá a 'injunção' a aplicar à arrependida criminosa (casos houve em que processos de aborto foram suspensos e a abortada obrigada a prestar serviço numa daquelas associações de ajuda às grávidas sem recursos, tipo ajuda de mãe, género 'vê bem como estas são melhores que tu, esfrega o chão que elas pisam').
não era que houvesse dúvidas, mas com esta proposta portas e marcelo e demais beatos das aparências demonstram bem, no seu afã de mais uma vez varrer a questão do aborto para debaixo do tapete, qual a única vitória que lhes interessa. não é a tal 'dos bebés', de certeza. essa nunca esteve em causa -- nem podia: a lei que há, se impede algum aborto, é por miséria ou desorientação extrema. não foi, até hoje, o medo da prisão ou do julgamento, nem sequer da dor e da morte, que impediu as mulheres de abortarem. e se até há uns anos a pobreza podia impedi-lo (nem todas conseguiam arranjar 400 ou 500 euros para pagar o 'serviço') agora, com os comprimidos de citotec, quaisquer 50 euros pagam um aborto feito em casa.
não é impedir abortos nem 'salvar bebés' que portas e marcelo querem -- mas salvar a face. a deles e a daqueles que, com eles e muitos séculos antes deles crêem que o seu mundo acaba no dia em que uma mulher puder decidir por si se leva uma gravidez a termo ou não. e acaba mesmo.