publicada a 28 de agosto de 2004, dn, é, digamos, trabalho de campo correspondente à entrevista feita em 1998.
Breve história de uma interrupçãoArredores de Lisboa. A rapariga tem 18 anos. Sai do carro já pálida. Talvez do jejum imposto desde manhã, ou do medo, ou da irreversibilidade do momento, ou tudo isso ao mesmo tempo. Maria da Conceição vem à porta, suave e maternal, convida para a sala.
Segura na mão da miúda, pergunta-lhe como se sente, se tomou mesmo a decisão, de quanto tempo julga estar.
A miúda conta a história: desaguada na capital para trabalho doméstico para uma família de «condição», vinda da província mais ou menos profunda, quis o destino que seguisse a clássica história da ingénua seduzida e abandonada, aos 18 anos tomada de amores por um senhor do dobro, em breve arvorado em prospectivo pai. Que, informado, esclarece a posição: nem pelos ajustes para ser pai nem para deixar de o ser. Aterrada com a possibilidade de contar aos progenitores, é aos patrões que pede ajuda. Assumindo custas e logística, aqueles contactam Maria da Conceição, que, em conversa telefónica, quer saber «o tempo» e estabelece as regras: sem comer, como nas operações, dia tal, às tantas horas, tomar um sedativo xis tempo antes. Preço, 400 euros.
E aqui estamos. Segura da determinação da cliente, a enfermeira dá a conversa por finda. É nesse momento que pede o estipêndio, um molho de notas dobradas que mete no bolso das calças. Depois, com mais uma carícia, garante: «Não vai custar muito. Vais ter coragem, não vais?» A miúda diz que sim, mas quer companhia: a jornalista também vai para o quarto ao fundo do corredor, onde uma marquesa ginecológica e um aparelho de aspiração convivem com um sofá às pintinhas e uma janela com vasos de flores. A jornalista segura a mão da miúda e vê os gestos enluvados, clínicos, que através do espéculo sugam o fruto daquele ventre e o depositam num recipiente de plástico azul. A jornalista espreita, a medo: três ou quatro gotas de sangue espesso.
Seis semanas, diz Conceição.