lembro-me que dei conta disso pela primeira vez com a moda. não só com os estilos e as roupas, mas com a rapidez com que trocava um rosto por outro, um corpo por outro. agora era a helena, a monica, a linda, a tatjana, depois a naomi, depois a eva. lembro-me de ter visto a claudia schiffer pela primeira vez num anúncio da guess a preto e branco, uma remake de bardot, e de a ter recortado para a minha parede, ao lado da joan crawford e do rimbaud. não levou muito tempo até que me fartasse da schiffer e passasse a achá-la tronga-monga, com aqueles joelhos grossos metidos para dentro, o andar de cavalona alemã e o sorriso sempre igual.
o mesmo com actores e actrizes. a primeira vez que os vimos, aqueles que nos estremecem, nunca se perde. é uma espécie de amor à primeira vista: sabemos onde estávamos, que traziam eles vestido, que disseram. depois o hábito do rosto, da voz, e traímo-los com outros. mickey rourke, matt dillon, rupert everett, jeff bridges, wilem dafoe, rutger hauer. gudrun landgrebe (a espantosa mulher de a mulher em chamas, de robert von ackerman), kim basinger, michelle pfeiffer, diane lane, catherine ann moss, uma thurman.
uns depois dos outros. agora gabriel byrne, benicio del toro, ralph fiennes, clive owen, vincent cassel.
o mesmo com as séries. paixão assolapada pelos sopranos, por seven feet under, por sex and the city, por 24. desmarcar jantares por causa delas. planear noites de delícia no sofá, de tabuleiro na mão, à frente da tv. falamos delas com os amigos, dissecamos os personagens, decoramos as frases e os gestos. depois, ao fim de um ano ou dois, começa a parecer sempre igual. chato, repetitivo.
o mesmo com o blogues. um pingue-pongue, uma polémica, todos os dias à espera da réplica. depois mais devagar, mais esquecido. maçador.
até o mesmo com os livros. descobrimos um autor e devoramo-lo e escrevemos sobre ele lemos as biografias e as entrevistas e pomo-lo na estante e vamos à procura de outros.
é do que sobra disso, no que sobra dessa espécie de paixões sequenciais, que fica alguma coisa. os filmes e os actores que na infância e adolescência conformaram o olhar e o mundo. gary cooper, katharine hepburn, marilyn monroe, robert mitchum, ava gardner, cyd charisse. jennifer jones e gregory peck em duelo ao sol. joan crawford e sterling hayden em johnny guitar. qualquer coisa nestes que não há nos outros, uma espécie de família, de amizades perenes, essenciais. não esqueço os nomes, como não esqueço os nomes dos filmes nem as histórias. nem os diálogos. o de jonnhy guitar, por exemplo, o das mentiras e das mulheres e dos homens esquecidos (ou lembrados) e de 'estive sempre à tua espera'.
estamos sempre à espera disso, desse momento em que alguém de quem estivemos sempre à espera entra no nosso bar e faz deserto do resto.
e que dure um bocado, já que para sempre não há.