(desculpem, esta posta vem com maiúsculas, a culpa é do word, estúpido do programa)
O professou Marcelo tem, diz ele (acabou de dizer na RTP), uma posição heterodoxa. Um NÃO heterodoxo, muito especial, verdadeiramente extraordinário. E porquê, explica ele? Porque ele é ‘contra a penalização da mulher. Às dez semanas, aos cinco meses, aos oito meses.’
Se a pergunta fosse, portanto, ‘está de acordo que a mulher que aborta – no limite, até aos 9 meses – deixe de ser criminalizada?’, o professor Marcelo responderia SIM, concordo.
Mas, explica o professor, o que a pergunta do referendo pergunta é ‘muito mais que isso’. Porque ‘a mulher pode abortar sem causa nenhuma –- não há período reflexão nenhum nem aconselhamento nenhum --, para uma lei de liberalização nestes termos sou NÃO’.
E portanto, diz o professor Marcelo, que ninguém sabe onde foi buscar esta ideia de ‘não haver período de reflexão nenhum nem aconselhamento nenhum’ – vai-se a ver o professor Marcelo queria um boletim de voto com umas cinco páginas e uns trinta artigos a especificar as exactas condições em que se poderia interromper a gravidez, o número de dias de reflexão, a composição dos gabinetes de aconselhamento, etc -- ‘é muito claro: eu até sou SIM à despenalização mas sou contra uma lei que vai mais longe que a despenalização, que é permitir uma livre escolha sem justificação nenhuma. Um estado de alma permite à mulher abortar. Porque lhe apeteceu, põe em causa uma vida humana’.
E acrescenta que ‘os progressistas espanhóis, que legalizaram o casamento dos homossexuais, não fizeram isto, têm uma lei como a nossa actual e não quiseram mudá-la’.
Ainda bem que o professor Marcelo é tão claro. Eu, por exemplo, que nem sou professora nem formada em leis e tenho as minhas muitas e muito óbvias limitações, fiquei a perceber que o professor Marcelo acha que interromper uma gravidez até às 10 semanas deve continuar a ser crime porque a pergunta permite que a mulher escolha. Já interromper uma gravidez até aos 8 meses, desde que não fosse a mulher a escolher, não seria crime.
Ou seja: interromper até às 10 semanas por decisão (‘estado de alma, apetecimento’, como diz o professor) da mulher não pode ser porque põe em causa uma vida humana. Perseguição penal e pena de prisão com ela (e não venham com a conversa de que elas não vão presas. Não vão presas porque a pena foi nos últimos anos suspensa, mas a sentença ninguém lhes tira). Já aos 8 meses de gravidez, desde que interromper seja por decisão de outrem (o professor Marcelo não explicou de quem, mas isso agora não interessa nada), não põe em causa uma vida humana. Ou melhor, põe, mas não faz mal. Deve ter sido por uma boa causa, sem estados de alma, porque não foi uma mulher a escolher.
Claro que o professor Marcelo não se deu ao trabalho de explicar o que é que ele acha que são razões e motivos atendíveis, que não estejam já na lei em vigor, para se interromper uma gravidez, como ele diz, aos 8 meses (altura em que, como toda ou quase toda a gente sabe e presume-se que o professor Marcelo também deve saber, já se fala de bebé e não de feto e há quase generalizada viabilidade). E claro que também não interessa nada em que condições se faz uma interrupção de gravidez: nunca houve mulheres a morrer disso, como se sabe (invenções da malta fracturante) nem a ficar estéreis ou a passar uma temporada nos hospitais por complicações abortivas. Nada disso. Além de que, se morreram ou ficaram com problemas de saúde, é bem feita, não fossem abortar por ‘estados de alma’ ou porque, de repente, lhes ‘apeteceu’ dar cabo de uma vida humana.
O professor Marcelo tem de facto um NÃO extremamente (como diria o maradona) especial. Extremamente. Um NÃO em que a vida humana – a tal vida humana às 10 semanas -- só é um valor a preservar se estiver em causa a decisão da pessoa que é suposta tê-la dentro de si durante nove meses, amá-la e cuidá-la. É de facto um NÃO extremamente claro, e estou muito agradecida ao professor Marcelo por esta clarificação, que é tão tão claramente clara naquilo que recusa.
Simplificando, o professor Marcelo criou um slogan que é o inverso, o espelho do tão odiado ‘na minha barriga mando eu’: ‘na barriga da mulher só não pode mandar ela’.
O professor Marcelo não confia nas mulheres portuguesas. Vidas humanas nas mãos -- nas decisões -- delas, nem pensar. É por isso que o professor Marcelo vota NÃO. É um 'NÃO, não confio nas mulheres'.
Ainda bem que o professor Marcelo explica as coisas tão bem explicadas. É que há gente que vota NÃO que se calhar ainda não tinha percebido porquê -- agora ficou a saber.
Ah, é verdade -- mas isso agora também não interessa nada -- os tais ‘progressistas espanhóis’ querem mesmo mudar a lei e propuseram-no no programa eleitoral. Mudar a lei para algo parecido com o que o referendo propõe, e precisamente porque consideram que a decisão deve pertencer à mulher. Mas para quê informar-se alguém antes de perorar na TV perante uns milhões de portugueses quando pode inventar o que lhe vier à cabeça enquanto fala?