bom. para começar, quero dizer que esta
troca de mimos entre mim e o professor marcelo vai ter de chegar ao fim (ia escrever SIM, vejam lá), sob pena de a minha tia avó hermengarda, da província mais profunda, me riscar do testamento sem mais delongas. já me mandou um bilhetinho aziago:
portanto, senhor professor, faça-me o enorme favor de não insistir mais em ligar o meu nome à liberalização do aborto até aos oito meses que o senhor advoga, ao aborto de qualquer maneira e em qualquer lugar, feito sabe-se lá por quem e porquê. eu, senhor professor, defendo a despenalização -- veja se consegue reter esta palavra, des-pe-na-li-za-ção, aconselho-o a ir ver ao dicionário, quer dizer "retirar a pena de", ou seja, deixar de ameaçar com pena de prisão -- da interrupção da gravidez até às dez semanas, e só se feita num estabelecimento de saúde legalmente autorizado, por técnicos de saúde credenciados, e, não esquecer, por opção da mulher.
e por opção da mulher porquê, senhor professor?
pois é, senhor professor, custa-me muito ter de lhe explicar isto a si, um tão eminente professor de leis, mas se a pergunta do referendo não especificasse que a interrupção da gravidez só será despenalizada nas condições descritas acima SE for por opção da mulher então os abortos efectuados sem consentimento da dita passariam a ser despenalizados também.
custa-me a crer, professor, como à minha tia hermengarda, que o senhor professor defenda que o aborto pudesse ser despenalizado nos casos em que fosse feito contra a opção da mulher -- quando por exemplo um sacripanta, como diz a minha tia que era o meu tio, não quer ter um filho e dá uma carolada na mulher, a leva para um tugúrio qualquer e paga a um curioso para a fazer abortar, às 10 semanas ou aos oito meses. custa-me muito a crer -- e ao cardeal patriarca também, que eu ouvi a entrevista dele à judite de sousa e ele disse o mesmo, com cara de quem acha que o professor marcelo anda a consumir muita gasosa estragada -- que uma pessoa como o senhor professor defenda coisas tão extraordinárias e ainda por cima tão pouco cristãs.
sobretudo, senhor professor, porque nem nas suas dominicais aulas na rtp nem no chorrilho de vídeos (que mal montados, deus) que anda a desmultiplicar no you tube explicou coisa que se percebesse sobre a sua, digamos, 'proposta'. ora eu, que sendo quem sou não sou destituída de espírito caritativo, venho por este meio dar-lhe uma ajuda (pronto, 'tá bem, para ver se a tia hermengarda não me deserda).
então, senhor professor, venho propor-lhe que este domingo, na rtp, responda a umas singelas perguntinhas que permitirão, de uma vez por todas, desvanecer a fumarada que envolve a sua prestidigitação verbal e entender a sua 'proposta' em todo o seu decerto fulgurante esplendor.
1. o professor marcelo defende que as mulheres possam abortar até aos oito meses sem serem penalizadas? sim ou não?
2. o professor marcelo defende que esses abortos possam ser feitos contra a opção da mulher e mesmo assim não se aplicar qualquer pena?
3. o professor marcelo defende que esses abortos possam ser feitos em quaisquer condições, em qualquer sítio e por qualquer sorte de pessoas, sem que por isso haja pena?
4. ou o professor marcelo defende que em caso de aborto efectuado em quaisquer condições e em qualquer sítio, por qualquer tipo de pessoas e até aos oito meses de gestação, só a mulher seja despenalizada (caso sobreviva), e todos os outros intervenientes sejam penalizados?
5. o professor marcelo é contra a despenalização proposta na pergunta referendária porque assegura um prazo curto, porque assegura condições de segurança, saúde e de transparência, e porque assegura que o aborto não será efectuado contra a vontade da mulher?
6. o professor marcelo é contra a despenalização porque acha que é duro exigir às mulheres que abortem só até às 10 semanas em estabelecimento de saúde autorizado e por sua opção?
7. o professor marcelo espera mesmo que o levem a sério com estes argumentos?
pois é, professor. acredite que estou deveras condoída por ter o questionar desta forma abrupta e hard, mas está em causa a herança que a tia hermengarda me prometeu -- tenho de provar à minha tia que seu NÃO e o meu SIM são de facto muito muito diferentes. e que eu, ao contrário do professor marcelo, vejo com verdadeiro horror a possibilidade de manter tudo como está, de continuar o aborto liberalizado à vontade de quem quiser e como quiser e onde quiser, às 10 semanas ou aos oito meses, sem hipótese de sabermos o que se passa realmente nem de tentarmos perceber o que leva as mulheres a abortar e de tentarmos que não abortem (se nos for possível encontrar soluções caso a caso) ou que não voltem a abortar.
chame-me dura, professor, mas eu quero uma lei que se possa impor e cumprir. eu quero regulação, honestidade e transparência. para moleza e irresponsabilidade já tivemos 23 anos.