Henrique Raposo considera
aqui que José Sócrates "
mudou a natureza do PS", "
matou o velho PS de punho no ar" e "
já estancou (...)
a velha avalanche socialista". Permita-me que discorde.
Quem "
mudou a natureza do PS" e "
matou o velho punho no ar" foi António Guterres. Foi Guterres (acompanhado de pessoas como Pina Moura, Jorge Coelho, António José Seguro e o próprio Sócrates) quem inoculou no partido - depois de dez dolorosos anos de oposição - doses cavalares de pragmatismo (ou, em bom português,
killer instinct) na procura do poder e na sua manutenção. Foi Guterres quem profissionalizou a "comunicação" do partido (recordo-lhe Edson Athaide) e quem percebeu que o partido tinha de recentrar o seu discurso em função, absolutamente, do que o "centrão" queria ouvir (e aqui também introduziu a liderança baseada em sondagens).
Dou-lhe um exemplo: em 1995, Guterres percebeu que o país estava exausto com o modo "autoritário" de Cavaco (que resultou, por exemplo, em acontecimentos como os "secos e molhados" da PSP ou o bloqueio da Ponte). E daí - e também por uma questão de personalidade - inventou o famoso "diálogo". Mas também percebeu, ao mesmo tempo, que não podia ignorar a eficácia do discurso populista do novo PP de Monteiro/Portas (então ainda na sombra). E defendeu, por exemplo, o endurecimento das penas de prisão.
Conquistou o poder à esquerda e à direita, com a mira sempre apontada ao centro, como Sócrates fez (e continua a fazer). E, até lá chegar, resistiu valentemente aos apelos de "Frente Popular" que Mário Soares (ainda em Belém) lhe estava a lançar, por exemplo com o congresso "Portugal: que futuro?". Eu lembro-me: Cavaco foi para o Pulo do Lobo; e Guterres para o Japão (sim, para o Japão), pretextando uma missão da Internacional Socialista.
E depois instalou o partido nos confortos do poder, recordando permanentemente a todos os beneficiados das mordomias estatais que regressar ao "
velho punho no ar" significaria, também, regressar ao deserto oposicionista. Dez anos de oposição tinham servido de vacina ao partido. Aconteceu o que tinha de acontecer: Manuel Alegre ficou sozinho (ou quase) a representar esse PS.
(
há-de continuar)