o nuno não quer postar sobre isto. eu por acaso até quero. é que, perdoem-me, está-se a falar de um concurso de tv, de uma espécie de big brother de figuras históricas, como se fosse uma espécie de referendo. ganhou salazar? ai sim? com quantos votos? e de quem?
é que, sabem, não conheço ninguém que tenha votado neste concurso. e ninguém que eu conheço votaria em salazar, a não ser como blague -- que até rima com blogue e tem o mesmo carácter lúdico.
ganhou salazar e cunhal ficou em segundo. ora que bem. muito bem um para o outro, muito bem para quem votou neles. se isto quisesse dizer alguma coisa, o pnr era o partido mais votado em portugal e o pcp vinha logo atrás. maravilha, hã? isso é que era. uma animação. aliás, faz lembrar o tempo, há uns cinquenta e tal anos, em que só havia isso: os do salazar e os cunhal. pelos vistos, para algumas gentes, deixou saudades. comia-se mal, vestia-se mal, habitava-se mal, falava-se pouco, amochava-se muito. havia os senhores e os criados, e muita criada de servir por aí afora. havia gente a viver em casas sem electricidade nem água nem casa de banho que era um primor. não havia a casa pia, pois não: havia os ballet roses. não havia ladrões? havia, sim. não havia era notícias sobre ladrões nem a tvi. não havia homicídios? ora se não havia. até havia homicídios políticos, que é muito mais fino. os funcionários públicos tinham de jurar coisas estranhas e andar na linha como não se sonha -- ai de quem dissesse mal do governo, quanto mais ir para a rua protestar. havia músicas proibidas, filmes proibidos, e chegou mesmo a ser proibido usar isqueiro.
e havia a guerra, onde os rapazes se faziam homens e se faziam em fanicos. era muito triste, aquela coisa das despedidas no cais com as mulheres de negro a chorar e o barco a dizer adeus. mas já não nos lembramos bem. era muito triste, aquela coisa de não se ter sido capaz de negociar uma saída digna das colónias, enquanto era tempo. mas melhor, muitomelhor, mandar as culpas para os que vieram depois. era muito triste, aquela coisa de termos o mundo todo, até o bom velho vaticano, a torcer-nos o nariz por não sabermos descolonizar como pessoas civilizadas. chato, haver missionários a denunciar massacres feitos por portugueses. mas ninguém é perfeito, não é?
e é tão giro, votar no salazar. é assim uma espécie de voto de protesto. é dizer que não gostamos disto. do regime que temos -- que só depende de nós e dos nossos votos, que chatice. do país que temos -- que só depende de nós e do que fizermos com ele, que chatice. é dizer que não gostamos de nós, que temos o regime e o país que queremos e fazemos.
muito, muito melhor ter alguém a quem culpar. um gajo de costas largas, de cara séria, que conte os tostões e coma a galinhas e os legumes da horta da tia maria, autoritário, sim, mas sééério. mandando matar quem lhe faz frente sim, mas sééério. manipulando eleições sim, mas sééério. mandando prender quem discorda dele sim, mas sééério. arruinando e atrasando talvez irremediavelmente o país sim, mas séééério. perseguindo até ao fim heróis como aristides sousa mendes sim, mas sééério.
não. ao contrário do que se diz, esta é a melhor prova de maturidade de uma democracia. o ditador de há quarenta anos foi a votos de telemóvel e ganhou. em 159.245 votos, teve 41%. façam as contas: 70 mil votos, mais coisa menos coisa? cunhal teve 19%. alguém duvida que há em portugal mais comunistas encartados que gente de extrema direita? pois bem, nem os comunistas, que levam tudo, a começar pelos seus mitos, tão a sério, levaram este concurso a sério.
o "perigo" de salazar ganhar foi agitado desde o início. e que fizeram os portugueses? meus caros amigos, os portugueses estiveram-se nas tintas. é o que salazar vale para a maioria: um encolher de ombros. levem lá a bicicleta. ou será que é uma cadeira desconjuntada?