o zelo supersónico com que a câmara de lisboa retirou o cartaz dos gato fedorento do marquês de pombal já foi convenientemente comentado e zurzido por meio mundo. bem que eu gostava, por exemplo, que a câmara demonstrasse a mesma proficiência a resolver as questões que tenho com ela pendentes e que muito martirizam o meu dia-a-dia -- mas paciência.
a questão fundamental está, no entanto, como joana amaral dias já frisou no dn de segunda, rui tavares noutro dia no público (sorry, rui, não reparei qual), e numa peça noticiosa no dn de sexta (não disponível on line) já se estabelecia, pela voz de osvaldo castro, presidente da comissão parlamentar de direitos, liberdades e garantias, no porquê da retirada do cartaz. a câmara alegou que se tratava de 'publicidade sem licença'. e que, ao contrário da propaganda política, que nos termos da constituição (artigo 39º, se não estou em erro) faz parte da liberdade de expressão e é portanto livre, não carecendo de licença de qualquer entidade -- propaganda política exemplificada com o cartaz do pnr -- a publicidade não pode ser colocada em qualquer sítio.
a visão camarária é interessantíssima e muito reveladora (e não vou, como a joana, falar das toneladas de publicidade que a câmara permite por aí, até em cima de monumentos, quando lhe dá jeito). o cartaz dos gato, apesar de não fazer menção a qualquer marca comercial nem pretender -- à primeira vista -- vender nenhum produto ou serviço, é publicidade. porquê? porque os gato são um grupo humorístico e não um partido, um sindicato, ou uma agremiação contra o aborto (por exemplo).
apesar de a mensagem do cartaz ser claramente política, formulada em resposta a uma mensagem política e como tal reconhecida pela câmara, o carácter não claramente político de quem a formula -- um grupo de cidadãos -- parece impedir a câmara (e a maior parte dos jornalistas que escreveram sobre o assunto) de colocar a hipótese de se tratar de propaganda política.
este entendimento da política e do discurso político como algo cuja formulação 'pertence' aos que se apresentam agremiados em partidos ou outras organizações relacionados com partidos é uma negação do valor mais básico da democracia: a cidadania. ou seja, é uma negação da ideia de cidade.
bravo, carmona e associados. já sabíamos que vocês não sabiam. não sabíamos era que de tal modo não sabem que não sabem que nem se importam que se saiba.