durante os dias da maddie, uma das conversas que mais ouvi foi a de que 'estas coisas antes não aconteciam'. tentei rebater várias vezes a ideia. chamei a atenção para o facto de até 1974 não termos tido uma imprensa livre e de a censura cortar os relatos dos crimes para dar a ilusão do país sereno. perguntei: mas acham que os abusadores de crianças, os psicopatas, os desequilibrados foram inventados há 15 anos? pensei em gilles de rais, pensei em maldoror, pensei em le journal d'une femme de chambre, o filme de buñuel baseado no romance de 1900 de mirbeau, em que uma criança é violada e morta no meio de um bosque. pensei em dickens. pensei como seria a investigação destes desaparecimentos nos anos 20 e trinta, quando as famílias tinham tantas crianças e as crianças andavam sozinhas quilómetros em paisagens desérticas, e talvez nem fosse comum fazer-se queixa de um desaparecimento. pensei nos pequenos pastores que subiam com os rebanhos para a montanha e lá ficavam semanas, pensei nas crianças operárias do século XVIII e XIX. pensei em como a ideia de criança, a ideia de como uma criança é preciosa e irrepetível, é tão recente.
pensei, muitas vezes, e não só desta vez, como seria interessante conhecer a história dos desaparecimentos de menores em portugal nos últimos cem anos -- se é que é possível saber alguma coisa disso.
pensei em como, com três anos, brincava sozinha com um primo da mesma idade na quinta dos meus avós, horas na rua só com ele e os cães, a inventar aventuras e explorações. de como, com cinco ou seis anos, já ia sozinha para a escola -- como todos os meninos da minha idade iam.
ontem, numa consulta com um médico que durante os anos 70 viveu em inglaterra, falámos disto. ele, que nessa época tinha um filho pequeno, contou-me de como a mulher vivia aterrorizada com a ideia de que lhe roubassem o miúdo, por causa de uma 'onda' de desaparecimentos que ocorria nessa altura no país. lembrei-me de the child in time, o romance de 1987 de ian mcewan, em que o narrador perde a filha de cinco anos (acho que era cinco) no supermercado e nunca mais a vê. e de alice, de marco martins, a história de um pai que incansável e obssessivo procura numa lisboa lunar, gélida, a filha de cinco ou seis anos.
a percepção que temos do mundo e a forma como esculpimos as nossas atitudes vivem da informação que temos -- de que outro modo? o que parece incrível é que às vezes toda a gente pareça esquecer-se disso.
no fundo, e é isso que é tão aterrorizador, de um terror obsceno e irreal, é tão fácil perder uma criança, tão fácil roubar uma criança. não há forma de se estar sempre atento, sempre vigilante. não há forma de certificar que se está sempre a olhar. não há forma nenhuma.
podemos então olhar para isto e reconhecer que extraordinário é que não ocorra mais vezes.
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20170813