Tenho uma amiga que tem uma namorada. Tem uma namorada há dois anos. A namorada tem três filhas. A minha amiga descobriu há muito que, do ponto de vista, digamos, romântico e sexual, prefere as mulheres aos homens. A namorada dela não descobriu nada disso. Apaixonou-se por uma mulher ao fim de duas décadas de relacionamentos com homens. Custa a imaginar a coragem necessária para que alguém na situação dela assuma uma relação assim. Perante os outros, mas antes de mais perante ela própria. É uma experiência tanto mais radical quanto se mantém sólida em quase todas as cabeças a ideia de que a nossa identidade se estabelece a partir de uma espécie de ditotomia sexual e desejante inabalável.
“Agora és fufa, é?”, perguntaram-lhe alguns amigos, amigos que deixaram de ser. Por essas e por outras, a namorada da minha amiga não assumiu ainda a sua relação perante a maior parte das pessoas. Em dois anos, não considerou poder correr esse risco. A minha amiga sofre com isso. A namorada, decerto, também. Têm uma relação estável e exclusiva, mas vivem como amantes clandestinas. Penso sempre nelas quando oiço as pessoas estranhar, por exemplo, que “os homossexuais queiram casar”. Ou quando me dizem que “já não há discriminação”, que “não se percebe o que ‘eles’ querem mais”. Penso nelas quando vejo, como há dias, uma manifestação a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Roménia, onde a homossexualidade deixou de ser crime há seis anos, ser atacada à pedrada e a gritos de “querem destruir a família”.
Não faço ideia se a minha amiga e a namorada quereriam casar. Sei que gostariam de poder fazer uma série de coisas que são normais num casal, mas que no caso delas seriam consideradas “exibicionismo” ou “provocação”. Andar na rua de mão dada, trocar um beijo quando apetece. Coisas que os apaixonados fazem. Sei que gostariam de não morrer de medo da reacção das crianças à assunção da verdade.
Nunca percebi de que falam as pessoas que defendem ser a aceitação social e cultural plena dos casais do mesmo sexo -- que simbolicamente tem um passo essencial na alteração dos artigos do Código Civil que só permitem o casamento de pessoas de sexo diferente -- um “ataque à família”. Família, para mim, é um núcleo fundado a partir da ideia do afecto e da comunhão de vida – e não creio que a história, ou mesmo essa coisa chamada “tradição”, digam outra coisa. Mas, mesmo que desse de barato que existe uma “família tradicional” que corresponde à imagem de um casal de sexo diferente que se une com a ideia de ter um rancho de filhos, não se entende em que é que ela é afectada pela existência de outro tipo de uniões. Em que é que o casamento de pessoas do mesmo sexo diminui ou prejudica o casamento de pessoas de sexo diferente? Será que há quem pense que, mal seja possível “oficializar” uma relação entre pessoas do mesmo sexo, não haverá quem queira outra coisa? Ou é mesmo aquilo que parece, a determinação em perseguir e invisibilizar aquilo que se considera “uma aberração”, a determinação de destruir, de fazer sofrer, as pessoas que vivem de uma forma que se não aprova?
“Querem acabar com a família”? Querem. Querem acabar com a família que a minha amiga e a namorada dela gostariam de ser. É essa a família que está sob ataque diário, milimétrico, acerado e sem piedade. Tão perseguida e tão cercada que às vezes não lhe vejo hipótese. Aberração é haver quem ache que precisa, para ser feliz, de fazer outros sofrer assim.
(texto publicado na notícias magazine de domingo passado, na coluna 'sermões impossíveis')
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