...para Ana Sá Lopes (asl), Nuno Simas (ns) e João Pedro Henriques (JPH). Sobre tudo.[Correio para gfacil@gmail.com]
segunda-feira, outubro 30
muito mal observado
agora, parece, a 'curiosidade do público' é justificação acolhida por uma entidade chamada 'observatório da imprensa' para se publicitar seja o que for. isso e as mais deploráveis confusões entre privacidade e secretismo, intimidade e hipocrisia, voyerismo e 'liberdade de informar', 'inevitabilidade' e legitimidade, transparência democrática e intrusão.
um observatório que observa assim merece ser observado. com olho clínico.
|| f., 18:58
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sábado, outubro 28
exigir mais
não concordo com isto (http://valedealmeida.blogspot.com/2006/10/exigir-mais-entrevista-diogo-infante.html), miguel.
cada um diz de si o que quer dizer. não há 'obrigações' nem 'morais' que se apliquem aí. os heroísmos -- porque é ainda de heroísmo, de um certo heroísmo, que se trata em alguns casos -- são escolhas individuais.
a liberdade de cada um é soberana no que diz respeito a este reduto -- que é o da vida privada, e portanto só publicitado se o mesmo assim entender. o que é, obviamente, diferente de ser público (esta confusão é, tenho constatado, muito comum). a diferença, em concreto, entre falar do assunto numa entrevista (ou pousar para a foto) e viver como se quer, no meio dos outros.
|| f., 21:59
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god given truth (que é como quem diz, verdade dada por deus)
It ain't that in their hearts they're bad
They can comfort you, some even try
They nurse you when you're ill of health
They bury you when you go and die
It ain't that in their hearts they're bad
They'd stick by you if they could
But that's just bullshit
People just ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good
People they ain't no good at all
(nick cave and the bad seeds)
|| f., 20:14
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estrabismos
mas espantoso espantoso é haver quem confunda a sua própria distração ou a refracção do seu olhar com o pulsar do mundo, descobrindo, em maravilhamento e extase, 'novos fenómenos' lá onde só a aparência mudou, sem abdicar por um instante do velho enquadramento.
tomar alguém como digno de nota que mulheres tenham posições públicas distintas e até opostas às dos parceiros/namorados/maridos/whatever, em vez de tomar como digno de nota que isso seja visto com estranheza e não seja mais comum é todo um programa.
mas enfim. nada de novo debaixo do sol -- nem em lado nenhum do sol, de resto.
|| f., 14:24
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do plagio e da inspiraçao
há uns dias, dei com um blogue e nele com um post onde reconheci parágrafos inteiros de um texto meu publicado no dn, sem aspas. no final do post, a autora (anónima) tinha anotado: 'texto inspirado em textos de fernanda câncio e ana sá lopes publicado no dn' (ou coisa que o valha, cito de memória).
cum caraças
|| f., 14:10
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quinta-feira, outubro 26
mid afternoon blog
se não se importam, hoje, aqui, sobre o dr pacheco pereira, é só encómios.
|| f., 17:14
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Vidas públicas e vidas privadas
Pacheco Pereira assinou hoje um excelente artigo no
Público. Pena que não o tenha assinado na
Sábado.
|| JPH, 15:56
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quarta-feira, outubro 25
Fugiu-lhes a boca para a verdade? (actualizada)
Luanda, 24 Out (Lusa) - O Presidente de Angola visita a Rússia entre 30 de Outubro e 01 de Novembro, a convite do homólogo russo, Vladimir Putin, para reforçar as relações de corrupção bilaterais, foi hoje anunciado em Luanda.
[1º parágrafo de um telex da Lusa emitido ontem (24 OUT 2006) pelas 20h35]PS - O telex foi corrigido às 8h55 de hoje com um outro onde se lia: "
O encontro servirá para "reforçar as relações de cooperação [bolds meus]
bilaterais " e não "relações de corrupção" como surgiu por lapso no despacho anterior."
|| JPH, 20:10
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Não é sério
O Pacheco Pereira que elogia
este comportamento da SIC (que eu também elogio) é o mesmo que há uns anos queria, no Parlamento, impedir que qualquer coisa de vagamente parecida fosse de todo em todo possível. Estará a tentar fazer de nós parvos?
|| JPH, 16:19
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terça-feira, outubro 24
do jornalismo e das causas
vem atrasado, eu sei, mas andei um tempo a pensar se devia fazer isto (ai, estarei a ser vítima de auto-censura? socooooorro!), com receio de ser mal interpretada (mais do que é costume, i mean).
mas aqui vai: http://www.msnbc.msn.com/id/15172544/site/newsweek/
a seguir a ler isto, façam uma pesquisa no google a ver quantos jornais portugueses -- e, já agora, quantos comentadores, editorialistas e bloggers que são tudo isso e mais alguma coisa -- aplicaram a anna politkovskaya o epíteto de jornalista de causas, ela que é descrita por aqueles que lhe fazem o elogio fúnebre como alguém que corria o risco de passar a fronteira do jornalismo para o activismo.
interessante, ãh?
|| f., 19:54
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segunda-feira, outubro 23
the same old story, over and over
'Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
e ainda que perdida a força dos velhos dias
que movia céus e terras; somos o que somos;
uma coragem única nos corações heróicos,
débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes
em lutar, achar, buscar, jamais render.'
a ler, no blogoexisto (http://blogoexisto.blogspot.com/2006/10/ulisses.html),o ulisses de tennyson em português/brasileiro
|| f., 00:11
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domingo, outubro 22
SCUTs
O engenheiro Sócrates pode até acreditar veementemente em si próprio quando nos jura a pés juntos que desta vez não, desta vez não violou nenhuma promessa de campanha ao acabar com umas quantas SCUTs. Eu, por acaso, acompanhei a campanha eleitoral que lhe deu maioria absoluta e não me lembro nada de o ouvir dizer que sim, que em determinadas circunstâncias até poderia acabar com umas quantas SCUTs. Mas enfim, ele jura, é lá com ele, o que também saberá é que aquilo de que ele está convencido não é necessariamente o mesmo de que o povão fica convencido quando o ouve.
Adiante. O que Sócrates garante é que as SCUTs só existirão enquanto as regiões atravessadas tiverem níveis de desenvolvimento muito abaixo da média nacional e enquanto não houver alternativas àquelas vias. Pois.
Ora a Via do Infante continuará a ser SCUT (até quando?). Pois. Todos sabemos que o nível de desenvolvimento do Algarve não é o muito diferente do da Beira Interior (mas infelizmente não encontro quadros que mo confirmem). E, além do mais, não tem alternativas (a famosa "125 azul" não é considerada enquanto tal). Ok. Acho justo. E eu, quando vou de Lisboa ao Porto, só pago as portagens da A1 (evitando essa maravilhosa alternativa que é a Nacional 1) por masoquismo.
|| JPH, 18:29
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agustina, maricas, homossexuais e casamento
joão, joão (http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2006/10/no-sejamos-maricas.html). a agustina é uma escritora maravilhosa e uma sentenciadora às vezes arguta e apropriada, outras apenas banal e previsível. não gosto menos dela por isso -- aliás, se fosse apreciar escritores pelas suas posições políticas ou pelo seu carácter estava bem arranjada.
isto dito, essa dicotomia entre 'maricas' e 'homossexuais' não é apenas banal, é deplorável. os homossexuais 'brilhantes a nível intelectual' que a agustina conheceu não são capazes de encarar o casamento? ok, e então? significa que todos os homossexuais que ela não conheceu, brilhantes ou opacos, pensam e sentem como esses? a questão do acesso ao casamento não se coloca, obviamente, nesses termos. eu, por exemplo, não tenho qualquer simpatia pela instituição, quiçá, como diz a agustina, não 'seja capaz' de a encarar para mim. significa isso que esse meu desgosto com o casamento deva fazer doutrina?
o problema, obviamente, é que para agustina um par de pessoas do mesmo sexo e um par de pessoas de sexo diferente não são a mesma coisa. não são da mesma natureza. é isso que pensam todas as pessoas que negam aos casais do mesmo sexo a possibilidade do casamento, como se este fosse uma marca registada para pessoas de sexo distinto. como se alargar o casamento aos pares do mesmo sexo significasse retirar 'qualquer coisa' aos pares de sexo diferente.
não se trata apenas de uma questão de 'direitos materiais' -- questão que, de resto, não é despicienda, como bem aponta o eduardo pitta (http://daliteratura.blogspot.com/2006/10/sibila-e-os-maricas.html). é uma questão de Direito com maiúscula, de certificação de igualdade. ou há igualdade ou não há. tudo se resume a isso.
não sejamos maricas, diz o joão -- de facto, não sejamos pusilânimes.
|| f., 16:34
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Quem saliva demasiado depressa com os desmentidos oficiais aos jornais devia ter um bocadinho mais de calma. Os
media nacionais são actualmente o principal saco de areia da blogosfera. Nessa correria - que é um imenso frete ao Governo, para quem se deveria dirigir o escrutínio principal - há quem, inevitavelmente, tropece.
Vital Moreira, por exemplo. É certo que as Finanças emitiram um
desmentido categórico a esta
manchete do Correio da Manhã. Mas também é certo que, como o próprio Governo admitiu (através dos gabinetes de Sócrates e de Pedro Silva Pereira), a notícia nasceu de um erro do Governo no Orçamento do Estado (o que está explicado
aqui e
aqui). O suposto erro jornalístico não foi na verdade um erro - foi a denúncia de um erro governamental.
Agora impõe-se perguntar a Vital Moreira: reconhecerá ele o seu próprio erro? Tenho as minhas dúvidas. A exigência que o ilustre blogonauta impõe aos
media não se compara, infelizmente, à que exige de si próprio. Eu, se fosse ao
Sol, agradecia a
indisponibilidade de Vital Moreira para voltar a colaborar com o jornal. Não se ouve quem, na sua pressa de agradar ao Governo, fala sem saber o que diz.
|| JPH, 16:24
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sábado, outubro 21
Washington posts
A Dina anda pela América. Escreveu-nos de lá uma
excelentíssma crónica e eu daqui lhe suplico que continue, pois que sabe sempre bem ler quem nos acrescenta mundo ao mundo. Saberia melhor, claro, se as suas colegas nos fizessem o favor de lhe editar os seus Washington
posts.
|| JPH, 15:40
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portugueses fracturantes
acabo de ver na sic notícias os títulos dos jornais de hoje. no público, 'portugueses a favor de sacerdócio feminino, prostituição legal e eutanásia'.
será que o senhor que vem referido no cabeçalho do jornal como director sabe disto?
|| f., 01:07
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ora essa
tendo ido ao blasfémias e visto o dr pedro arroja a postar alguns insultos/comentários pouco simpáticos de que foi alvo, num show de fair-play humorístico que me deixou verde de inveja (depois de, bem entendido, ter rido à gargalhada), venho por este meio certificar que a mim me chamaram 'uma das duas maiores lambisgóias da blogosfera' (se querem saber quem é a outra, voguem por essas caixas de comentários fora, encontram-na de certeza).
para que não fiquem dúvidas sobre a minha capacidade de encaixe, aqui vão todas as explicações que encontrei sobre o termo no google (dava-me maçada sair do sofá para ir ao dicionário, está-se aqui tão bem):
'Segundo o etimólogo Deonísio da Silva, autor, dentre outras obras, de "A Vida Íntima das Palavras", a origem, embora controversa, provavelmente deriva do verbo lamber, do latim lambere, passar a língua sobre alguma coisa. Designa mulher namoradeira, de trato fácil com os homens e é pronunciada severamente por mulheres casadas quando se referem à outra, aquela lambisgóia...'
ou
'lam.bis.gói.a sf 1 Mulher delambida ou intrometida; mexeriqueira. 2 Menina afectada, presumida, vaidosa, pretensiosa. 3 Pessoa fraca, que pouco pode ou sabe fazer. Sin: langróia (LANGRÓIA??????!!!!!!!! for christ sake). 4 pessoa (esp. mulher) magra, sem graça e antipática'
caramba, estou aviada
|| f., 00:51
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da guerra e do resto
hoje, sábado, às 18 horas, na casa dos dias da água (r. d. estefânia, 175, lisboa) debate sobre 'arte e a guerra' com lúcia sigalho (directora dos dias da água, dramaturga, encenadora e actriz), antónio mercado (encenador), joão lopes (crítico de cinema) e paulo cunha e silva (médico, professor universitário, ex-presidente do instituto das artes)
amanhã, domingo, no mesmo sítio, debate sobre 'guerra, razão e direitos', com álvaro vasconcelos (instituto de estudos estratégicos internacionais), josé antónio pinto ribeiro (advogado, fundador fórum justiça e liberdades) e colleen wagner (dramaturga canadiana, autora da peça 'o monumento', em cena na casa dos dias da água pelo teatro do tejo).
(i)modera aqui a je.
|| f., 00:26
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olha concorrência
ó paulo (http://bloguitica.blogspot.com/2006/10/intolerncia-timorense-1508-passividade.html), não me diga que agora também deu em fracturante e anti-clerical. não se meta nisso. ainda lhe chamam blogger de causas, ou assim.
|| f., 00:22
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sexta-feira, outubro 20
Novo ciclo?
Não sei, francamente não sei, nem me ponho a garantir prognósticos porque nessas finas artes geralmente dou-me mal. Mas enfim, tenho cá uma impressão, uma impressãozinha, de que pegou de estaca aquela ideia segundo a qual são "sempre os mesmos" a pagar a crise, isto sobra sempre para os mexilhões do costume, "lá em cima" tudo se continua a safar à grande e à francesa e "cá em baixo" vamos de mal a pior e etc e tal e coiso.
Ele é o IRS e os deficientes, ele é a diminuição na comparticipação dos medicamentos, ele é os pensionistas a pagar impostos, ele é a certeza de que para termos uma reforma vamos ter de trabalhar mais recebendo em troca a magnífica recompensa de receber garantidamente menos - e ele são, qual tradicional cereja no topo do clássico bolo, aquelas inacreditáveis declarações de um "ajudante" qualquer culpando-nos a todos pela porcaria do "défice tarifário" da EDP ou lá como se chama aquela merda. Enfim.
O OE/2007 representa para o eng. Sócrates um novo ciclo? Não sei - nem faço cedências ao meu próprio
wishfull thinking (seja ele qual for, é uma coisa cá minha). O que sei é que já oiço algumas personalidades para-governamentais falar em "problemas de comunicação" e na "mensagem que não está a passar" e o blá-blá-blá do costume quando essa coisa chamada governação se torna complicada. Não costuma ser bom sinal.
|| JPH, 19:05
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alzheimer
ia jurar que ainda me lembro do tempo em que era normal, aceite e até visto como desejável que as pessoas acalentassem a privacidade da sua vida privada (passe o pleonasmo). ia até jurar que houve um tempo em que as pessoas -- pelo menos certas pessoas -- prezavam tanto a sua vida privada que eram capazes de fazer esperas a directores de jornais onde se publicavam mexericos sobre a dita para tirar desforço da coisa e lhes oferecer (e, parece, dar) pancada.
mas devo estar a fazer confusão -- não podem essas certas pessoas ter feito isso em tempos e agora considerar que os outros não só não têm direito a vida privada como têm o dever especial de a não ter.
não, deve ser confusão minha: isso seria demasiado iníquo.
|| f., 15:43
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ainda sobre parolidades, philip roth
'you can weather everything', phoebe was telling him, 'even if the trust is violated, if it's owned up to. then you become life partners in a different way, but it's still possible to remain partners. but lying -- lying is cheap, contemptible control over the other person. it's watching the other person acting on incomplete information -- in other words, humiliating herself. lying is so commonplace and yet, if you're on the receiving end, it's such an astonishing thing. the people you liars are betraying put up with a growing list of insults until you really can't help but think less of them, can you? i'm sure the liars as skillful and persistent and devious as you reach the point where it's the one you're lying to, and not you, who seems like the one with the serious limitations. you probably don't even think you're lying -- you think of it as an act of kindness to spare the feelings of your poor sexless mate. you probably think your lying is in the nature of virtue, an act of generosity toward the dumb cluck who loves you.'
in everyman, 2006
|| f., 10:31
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quinta-feira, outubro 19
parolidades, 2
a paula, do postigo grande, mandou este mail para o glória. aqui vai:
'
Eu também pens(ava)o exactamente assim. até ao dia em que percebi este poema da Amalia Bautista (que aliás conheci através de um post seu)
Lujuria
No puede haber pecado en esta entrega,
en este deshilarse impidiendo la nada,
en este acto de fe.
Que a nadie se le ocurra venirnos con un cuento
lleno de represión y negaciones.
Quien no percibe la generosidad
de mi piel y tus manos
no debe hablar.
Amalia Bautista'esclarecimentos: a amalia bautista foi uma descoberta do luis, da natureza do mal, que eu copiei para o glória. é pois a ele que se devem agradecimentos. quanto ao resto, já receava que o meu post abaixo fosse entendido como uma reprovação do sexo, ou do sexo 'fora' de uma relação existente. até já estava a ver-me cunhada de moralista, rótulo que, reconheço, tento afadigamente evitar (o que em si é um pouco parolo). não: é mesmo a apresentação da infidelidade como um sinal exterior de, se se quiser, modernidade, sofisticação e alegria de viver que me encanita.
|| f., 22:17
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quarta-feira, outubro 18
parolidades
juro que ainda não vi o jura, a tal nova novela da sic que segundo me contaram regurgita sexo cruzado por todos os fotogramas (coisa que, a bem dizer, não creio que as novelas tenham -- fotogramas, i mean), incluindo gente a comer-se nas casas de banho da gulbenkian e maridos doidos para a brincadeira e mais não sei o quê. mas fiquei com a ideia de que faz parte de um novo trend luso, a ideia da transgressão sexual de trazer por casa. os portugueses, como dizia o ricardo araújo pereira a propósito das mamas, descobriram a infidelidade.
não me entendam mal: toda a vida e em todos os tempos houve isso a que se chama infidelidade e que é, basicamente, ter sexo com uma ou várias pessoas enquanto se 'mantém uma relação' com outra a quem se 'poupa' o conhecimento desses convívios. (há casos, no entanto, em que as incursões 'exteriores' à relação são assumidas e consensuais, ou, pelo menos, debatidas. não sei se isso também entrará na definição de infidelidade, mas para este post esse tipo não me interessa).
infidelidade e uma vida sexual, digamos, variada e imaginativa não são a mesma coisa, embora ultimamente se tenda a confundir as coisas. há uma diferença essencial: andar a entrar e a sair de camas a nosso bel prazer e chegar a casa e dormir só é uma coisa, ter lá alguém à espera para fazer conchinha e assegurar as canjas na gripe e o carrego dos sacos do super escada acima é outra -- por algum motivo se usa, como sinónimo de ser infiel, 'enganar'.
ser infiel é, pois, ser desleal. mentir, ocultar, retirar ao outro a possibilidade de decidir com base na informação toda. é fundamentalmente uma forma de desrespeito, indiciadora de uma falha de carácter. não é para poupar o outro que o infiel mente, mas para se poupar a si a incomodidade de ter de conviver com as consequências previsíveis da revelação.
escapa-me, por estes motivos, a razão do fascínio que tanta gente evidencia pela ideia de infidelidade, como se quisesse certificar que, por ali, nada é monótono, fastidioso, tristemente caseiro, cinzentamente igual. a infidelidade é apresentada como certificado de sofisticação, cosmopolitismo e elevação -- chegou-se ao ponto de desfazer em cavaco silva por 'não ter ar de ter amantes' ou de elogiar em mário soares o 'ar folgazão, de quem teve inúmeras' (embora se crucifique na praça pública uma figura como elsa raposo, porque alegadamente foi infiel ao noivo, ou lá o que foi).
tudo isto, desculpem lá, é sumamente parolo e claramente subsidiário do mais estafado sistema de valores, uma espécie de rebeldia bacoca contra os ensinamentos do pároco da aldeia. como me parece ser parolíssima, só de ouvir dizer, a tal novela das juras não cumpridas. toda a gente mente, toda a gente é desleal de vez em quando, e a maioria será infiel, no sentido sexual, mais tarde ou mais cedo. é da vida. mas não é decerto motivo de orgulho, nem critério de estratificação social do género 'coitadinhos dos pobrezinhos, são tão saloios e têm tanta falta de imaginação, arroubo e tempo que não conseguem sequer ser infiéis, que vida enfadonha devem ter, sem saber o gozo que dá usar a hora de almoço para uma escapadela e chegar a casa com ar de santinha/o, como se nada se tivesse passado!'.
parece-me que basear nisto uma presunção de superioridade é que é uma tristeza.
|| f., 12:05
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messieurs, messieurs, messieurs
antónio figueira (não sei se é o de cincodias ou não) teve a amabilidade de emendar o meu desgraçado francês. messieurs é que é o plural de monsieur, e não monsieurs.
como respondi ao antónio, o mais engraçado é que, à primeira, escrevi messieurs, mas depois olhei para a palavra e, desconfiando de mim, emendei. é para aprender a confiar mais no meu instinto.
|| f., 11:38
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ainda a polícia, ainda o deixa-los ou nao fugir, ainda o joao gonçalves e a caixa de comentarios do portugal dos pequeninos
caro joão (http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2006/10/deix-los-fugir.html), ora ainda bem que sabe do que fala. o joão trabalhou na igai, eu limitei-me a investigar, jornalisticamente falando, uns tantos casos de, como diz, 'alegadas - umas confirmadas, outras não - situações em que o princípio da proporcionalidade no exercício da função policial foi ultrapassado, designadamente com consequências fatais'.
fiquei com várias ideias sobre a forma de funcionamento das nossas polícias, e a maioria não é favorável. não estou, no entanto, na fase adolescente do ódio à autoridade, pelo que não confundo essas conclusões com os polícias individualmente considerados. comove-me aliás a ideia de haver alguém que se dedica a proteger o meu sono e que é mal pago e mal amado por isso.
essa gratidão não me cega, porém. sei que a formação das polícias não é, ainda hoje, conducente a um entendimento democrático da função. que as corporações continuam a funcionar numa lógica de nós/inimigo, que falam dos 'civis' como se estivessem em guerra e que tendem a justificar e, se possível, ocultar, todos os abusos.
conheço casos -- como o do homem que foi assassinado com um tiro na cabeça na esquadra de matosinhos, salvo erro em 1995, graças a uma 'gatilhada' (o joão sabe o que é decerto, mas para quem não sabe, trata-se de uma 'técnica' de tortura/interrogatório que consiste em encostar uma arma supostamente descarregada à cabeça do preso/detido/suspeito e carregar no gatilho, simulando uma execução -- no caso de matosinhos, como no do 'decapitado' de sacavém, que ocorreu no mesmo ano de criação da igai, 1996, afinal havia balas na arma, e zás) -- em que se 'cozinharam' versões 'convenientes'. o homem de matosinhos, por exemplo, tinha lançado mão da arma de um polícia e tinha-se suicidado. noutros casos, o morto tinha atacado, desarmado e sem qualquer motivo, um grupo de polícias e determinado que estes o enchessem de balas (estou a lembrar-me de um regente agrícola que foi baleado sete vezes à porta de casa, na rua castilho, e que tudo leva a crer foi atingido dentro do carro), ou tinha sido 'linchado' por um grupo de cidadãos em fúria que o tinha surpreendido no meio de um assalto a uma loja de electrodomésticos (este aconteceu no carregado e meteu na 'conspiração', além de uma série de agentes da psp e gnr, também os bombeiros e vários moradores da zona).
mas não era disto, joão, que falava no seu post: era das declarações do actual inspector geral da administração interna, clemente lima. o joão critica-o por dizer, na sequência dos dois casos em que a gnr disparou contra carros em fuga, no porto, que há casos em que mais vale deixar fugir que disparar sobre as pessoas. e relaciona isso com o facto de um gnr ter sido baleado. desculpe, joão, mas qual a relação? é que me escapa. escapa a qualquer pessoa que tente analisar os casos com um mínimo de frieza, lógica e, já agora, de respeito pela lei.
nos dois casos em que a gnr disparou contra os automóveis -- e portanto contra as pessoas que iam dentro dos automóveis, uma das quais morreu -- ninguém disparou contra a gnr. no primeiro caso, até ver, nem sequer se alega qualquer tentativa de agressão aos agentes da gnr. de acordo com a versão que tem sido divulgada, os ocupantes do carro resolveram não obedecer à ordem de paragem e a gnr resolveu persegui-los por esse motivo. ao fim de, diz-se, 30 ou mais minutos de correria maluca, um gnr resolveu fazer pontaria aos pneus e acertou nos dois ocupantes do banco de trás do carro. o jo\ão acha isto bem? eu não. a lei, parece, também não. e o inspector clemente lima, parece, tende a basear-se na lei.
no segundo caso, a gnr alega uma tentativa de atropelamento. não sei se existiu nem sei se, a existir, foi durante a dita que o gnr abriu fogo. mas duas pessoas ficaram feridas.
o que é que isto tem a ver com um gnr que foi baleado? o que é que isto tem a ver com todos os agentes da psp, gnr e pj que foram já baleados? e o que é que os agentes de polícia baleados têm a ver com 'deixar fugir' um carro que se limitou a não obedecer a uma ordem de paragem? toda a gente que foge é suspeita de matar polícias? toda a gente que desobedece é criminosa?
o que clemente lima disse, ou pelo menos o que saiu publicado no público, foi que em casos em que está em causa uma contravenção ou um crime de menor importância, se a perseguição se está revelar demasiado perigosa o melhor é deixá-los fugir.
eu acho que clemente lima tem toda a razão. deixam-se fugir e apanham-se no dia seguinte -- há uma coisa chamada matrícula e não faz grande sentido matar ou ferir gravemente alguém só porque a polícia sente que o seu princípio de autoridade foi beliscado.
raios, joão. não simplifique.
|| f., 00:49
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terça-feira, outubro 17
Breaking News (III)
Sou o primeiro a concordar com os que dizem que Souto Moura foi um desastre a PGR. Uma estrutura como o MP não pode andar em rédea solta, sobretudo por aquilo que isso representa de descredibilização para a sua própria imagem, para a Justiça no seu todo e, em última instância, para a imagem do Estado, que já por si anda pelas ruas da amargura.
Portanto, dantes, com Souto Moura, tinhamos um Ministério Público descontrolado. Agora temos um Ministério Público bloqueado. E em guerra aberta com o seu chefe - e aliás muito justamente porque era uma quase provocação pedir ao CSMP que aprovasse alguém que, para o MP puro e duro, andava há
mais de 20 anos em más companhias. O sinal está dado:
les jeux sont faits.
Sabemos todos quem ganha com este bloqueio. É de rir à gargalhada a famosa "prioridade" no "combate" à corrupção.Mas, evidentemente, o problema não está em Pinto Monteiro. Está em quem o escolheu.
|| JPH, 15:53
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Breaking News (II)
O nome de Mário Gomes Dias foi rejeitado no
Conselho Superior do Ministério Público por nove votos contra, oito a favor e um branco (além disso, faltou um membro, não sei quem - ainda...). Voto secreto, claro.
Mário Gomes Dias exercia há mais de vinte anos (desde 1983) funções "para-governamentais" (era auditor jurídico no MAI). E isto, evidentemente, contou muito para a rejeição. Diz muito também sobre quem o escolheu, ou seja, sobre Fernando Pinto Monteiro.
|| JPH, 15:36
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Breaking News
Foi chumbada pelo Conselho Superior do Ministério Público a indicação de
Mário Gomes Dias para vice-procurador geral da República, noticiou a Lusa citando "fonte judicial". Começa bem, Pinto Monteiro.
|| JPH, 15:17
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domingo, outubro 15
felicidade meteorologica
a primeira trovoada do outono. relâmpagos no céu sobre a baixa e o rio. a chuva nas janelas, doce ainda. o vento nas árvores do castelo, nos jardins suspensos do bairro da sé.
(com a devida vénia à ana, a quem roubei o título de um dos textos do contra os canhões desta sexta)
|| f., 21:51
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wrong number
de cada vez que oiço aquela da mulher de césar puxo da uzi. deve haver poucos ditados tão deploráveis naquilo que apregoam: filha/o, não te rales se és ou não séria/o, só precisas de parecê-lo. isso sim, é o busílis. quanto ao resto, olha, desde que não se saiba... faz o que te der na real.
not here, monsieurs dames.
|| f., 12:06
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grandes e pequeninos portugueses
para o joão gonçalves (portugaldospequeninos.blogspot.com) o salazar era péssimo e parolo mas mesmo assim, melhor que os parolos de agora. ter polícia política, manter um regime totalitário e o país ainda mais pequenino, para além de, ocasionalmente, mandar limpar o sebo a umas maltas (apesar dos desmentidos publicados no sol, dá-me a ideia que o salazar não mandou propriamente prender quem assassinou o humberto delgado e a senhora que o acompanhava, pelo que algo nos diz que deve DE ter apreciado, quiçá ordenado os homicídios, hum?) nada é face à miséria saloia dos nossos actuais governantes, pese embora eleitos e tudo.
caro joão, desculpe lá, mas quer experimentar escrever uma coisa parecida com essa, mas ao contrário, em 1940? ou mesmo em 1960? de certeza que o salazar ia apreciar.
|| f., 01:35
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afinal, pensando bem, aquilo da ferocidade e capaz de ser verdade
tenho a maior dificuldade em conviver com a estupidez, com a mentira e com a má fé. eu bem sei que é inevitável, mas custa-me muito. se calhar sou uma inadaptada.
ou, se calhar, antes de isto acabar, ainda tenho de distribuir uns pontapés na boca.
|| f., 01:31
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sábado, outubro 14
e cristo, nao decidiu morrer?, visto da atlantico
não, paulo (http://revista-atlantico.blogspot.com/2006/10/cinco-dias-tresler.html).
eu não 'comparo' (http://dn.sapo.pt/2006/10/13/opiniao/e_cristo_decidiu_morrer.html) a morte de cristo à eutanásia. o que eu escrevo é que aceitar que cristo decidiu morrer e incensar essa decisão (para quem crer que ele decidiu morrer, ou seja, que se ofereceu como o tal cordeiro para o sacrifício) é contraditório com a recusa de permitir essa decisão aos outros.
pelo meio dos dois parágrafos que cita há outros parágrafos -- convém não os saltar sob pena de, de facto, tresler e convidar à tresleitura.
quem recusa a eutanásia fá-lo por crer que a vida vale mais que o sujeito dela, é maior que quem vive -- que a vida de cada um, em suma, não lhe pertence.
cristo, porém, dispôs da sua. é claro que a doutrina diz que ele o fez porque essa era a vontade de deus, sendo ele próprio deus também -- mas se não pudesse não o ter feito, ou seja, se não pudesse ter decidido de outra forma e se essa decisão não fosse difícil, então o seu gesto não teria valor.
ter preconceitos, creio, é impossibilitarmo-nos de olhar para as coisas com outro olhar que não o habitual, o do hábito. todas as história podem ser vistas de outra maneira. esta é uma delas -- a não ser que queira fixar as formas de ver a história.
|| f., 01:51
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quinta-feira, outubro 12
O jornal que hoje Sampaio dirigiu
|| JPH, 20:26
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quarta-feira, outubro 11
já que estão com a mão no assunto
aquele estudo sobre a gnr que defende a extinção da brigada de trânsito e da brigada fiscal podia ir um bocadinho mais fundo e descobrir que extinguir a própria gnr e criar um único corpo de polícia civil era capaz de ser uma grande ideia -- e ainda se poupava um dinheiro em prédios, estruturas em geral, material em particular e chefias. uma ajudinha para o défice e, já agora, para a qualidade de vida de toda a gente. para que raio é que um país democrático do século xxi quer uma polícia militarizada?
|| f., 19:07
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as notícias sobre a minha ferocidade têm sido muito exageradas, 3
mas, para dizer a verdade, tenho dias. beware, pois.
|| f., 19:05
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as notícias sobre a minha ferocidade têm sido muito exageradas, 2
caro nelson,
não lhe parece que está a exagerar um pecachichinho?
o nelson deu a entender que queria ser linquado e eu linquei-o. disse que eu o jcd não sabiamos do que falávamos mas adorávamos opinar mesmo assim ('esta gente que tem muito tempo de antena e apesar de serem todos muito cultos e muito inteligentes e muito importantes às vezes metem os pés pelas mãos e só dizem merda. E, perdoem-me a ingerência, eu tenho tanto ou mais direito de dizer merda que V. Exas., e, se calhar, tenho mais experiência no assunto'), e
eu interpretei isso benignamente: em vez de dizer que nos chamava idiotas pesporrentos, usei o mais simpático e divertido palonços. e ainda se queixa? ó homem, eu linquo-o outra vez. mas agora mude de queixa, de interpelação, de chiste. arranje outra coisa.
|| f., 18:54
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as notícias sobre a minha ferocidade têm sido muito exageradas
|| f., 18:52
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nuninho!
pá, diz qualquer coisa. mim também te adora,
como o jph. mim faz minhas
palavras do jph. mim quer ver-te a postar. mim está inclusivamente a colocar a hipótese de cozinhar um jantar para o blogue.
vá lá.
|| f., 18:41
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terça-feira, outubro 10
Nuno Simas
Queria aqui, para que ficassse bem claro, manifestar a minha total solidariedade com o Nuno Simas, co-autor (demasiado ocasional, é verdade) deste blogue. Conheço o Nuno Simas há muitos anos - conheci-o aliás na Lusa, onde ambos iniciamos as nossas carreiras.
Posso atestar, sob palavra de honra, que não é só a pessoa mais bem formada que conheço - e, por isso mesmo, um excelente gestor de recursos humanos. É também um óptimo jornalista, independente, rigoroso e trabalhador como muito poucos.
Quanto às razões de substância que o levaram a
demitir-se de editor da secção de política da Lusa só digo uma coisa: o problema das pressões políticas sobre os jornalistas não está só do lado de quem telefona a pressionar. Está sobretudo, e acima de tudo, do lado de quem recebe os telefonemas - e de como diligentemente os reencaminha hierarquia abaixo.
|| JPH, 14:46
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ainda o estacionamento, a baixa, o glória e o blasfémias
eu e o jcd já moved on, mas a polémica deixou filhotes. desde logo, o extremamente maravilhoso
maradona, que como quase sempre é de chorar a rir, e o nunca antes ouvido nelson, que entrou a chamar palonços que têm a mania que são espertos a todos os envolvidos (mainly, eu e o jcd). lamento dizer ao
nelson que não percebi bem o que é que ele advoga exactamente, a não ser que seja obrigar as pessoas (os tugas, como ele diz) a estacionar nos sítios onde se pode estacionar (pagando, claro) e a não estacionar nos sítios onde não se pode estacionar (pagando muito mais, claro), que é nem mais nem menos que o que aqui a je advogava (para depois, se fosse caso disso, se construirem mais uns parques ou silos, como insiste o jcd ser necessário).
vai-se a ver e estamos todos de acordo. é uma das graças das blogosguerras.
|| f., 14:45
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escusavam de se incomodar
paulo pedroso e rodrigo moita de deus sobre o significado de 'contra os canhões', o ribombante final do hino nacional. pedroso diz que é bélico e absurdo -- '
apelando a marchas, que seriam suicidas, contra canhões' --, moita de deus que é a
ideia de abnegação e sacrifício pelo país.
eu, que acho o hino medonho, confesso que é do final que mais gosto. claro que 'canhões' será, como escreve pedroso, o som encontrado para substituir o original 'bretões'. mas esse apelo à marcha contra a barreira da morte comove-me desde que, em criança, uma tia me ensinou a letra e os acordes da canção. porque é insensata (ou absurda, como a vê pedroso) e magnífica (como, creio, a vê moita de deus).
deve ser a ideia de morrer por uma ideia -- ou talvez seja, simplesmente, a ideia de saber que ao fundo está a morte e mesmo assim avançar. nada de bélico nisso, nada sequer de hostil: é assim que tem de ser, não há outra maneira. no going back.
(sosseguem: não foi exactamente esta grandiloquência que presidiu à escolha, por mim e pela ana, do título da nossa página de opinião no dn. para dizer a verdade, pensámos em 'o esplendor de portugal', mas lobo antunes tinha chegado primeiro. ficou, então, 'contra os canhões', um contra os canhões irónico, bem humorado, ocasionalmente bélico e marginalmente abnegado ou sacrificial. uma espécie de: 'quantos são? quantos exércitos'?, versão salão).
|| f., 13:28
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Altamente recomendável
O acompanhamento, por quem se interessa por jornais e revistas e respectivas vendas, deste interessantíssimo e muito profissional
blogue.
|| JPH, 13:12
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segunda-feira, outubro 9
it's an injustice, it is
as pessoas, o mundo, sei lá, tudo em geral é muito injusto. e os meus colegas de blogue ainda mais (imaginem-me a escrever isto com meia casca de ovo na cabeça)
|| f., 19:38
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licença para matar, mais um fascículo
eheh. só para chatear o jph (e mais uns), aqui vai mais uma posta sobre violências, policiais e não só. esta é retirada de uma reportagem de 1994.
Coliseu Micaelense, Ponta Delgada, 26 Setembro 92.
São 22.30h. As portas fecham-se. Cá fora, a multidão protesta.
Estão ali para ver o concerto dos Resistência, têm bilhetes, não
arredam pé. Alguém bate com um capacete nas velhas portas de
madeira, há pontapés, gritos. João Paulo Aguiar, os primos e os
amigos ficaram a dois metros da entrada, mesmo em frente. Está
bem que os bilhetes foram de graça, oferecidos pela campanha do
PS, arranjados pelo pai do João Paulo. Mas desistir tão cedo? Com
a impaciência, alguém agarra na grade anti motim e martela a
porta com ela. As almofadas de madeira caem, já há dois buracos,
um de cada lado. Vê-se de dentro para fora e vice-versa. Os bonés
da PSP agitam-se, a polícia quer que as pessoas dispersem, as
pessoas querem que a polícia abra a porta, empurram, gritam PSD.
Catarina Raquel de Medeiros Melo Cardoso, 18 anos, também ficou
perto da porta. No meio da confusão vê um dos polícias — gordo,
bigode, óculos, baixo — enfiar a mão numa das aberturas e
disparar na horizontal. Um tiro, dois tiros. Do lado esquerdo,
outro polícia — mais magro — dispara também, mas para o ar. A
debandada é geral. Em frente às portas agora abertas, um corpo
caído. Assassinos, grita-se. Chovem garrafas, há quem queira
fazer justiça ali mesmo, mas as armas estão só de um lado.
"Vi o homem que tinha atirado aproximar-se do corpo e voltar atrás.
Depois veio a ambulância e não o vi mais. Contaram-me que ele
disse que aquilo era só fingimento." No grupo do João Paulo, aos
primeiros tiros largou tudo a correr. Jorge Leça, um dos primos,
viu alguém cair mas não parou para ver. "Demos pela falta dele
passado um bocado, voltámos para trás à procura. Toda a gente
dizia que havia um rapaz morto, com uma T-shirt igual à minha."
Uma rosa do PS: o João Paulo tinha uma. Correm para o hospital.
"Disseram-nos que era uma pessoa de 60 anos com um tiro na
perna." Um telefonema de uma médica amiga desfaz a ilusão: é o
João Paulo, levou um tiro na cabeça, está em coma. Dia 29 às
13.30h, "esgotadas as possibilidades médicas", desligam-se os
sistemas de suporte à vida.
Na televisão, o comandante da PSP de Ponta Delgada verte o
comunicado oficial: tiros não identificados no exterior,
agressões aos agentes, não tivemos nada a ver com o assunto.
Chega a mencionar balas de borracha. Está conforme o relatório
de 27/9 de Duarte Calisto, o sub-chefe que comandava os dez
agentes destacados para o Coliseu: "(...) Perante a fúria dos
populares (...) ao mesmo tempo que me apercebi de disparos
efectuados no exterior (...) foram efectuados disparos para o ar,
no sentido de os intimidar (populares), não se tendo, por
conseguinte, atingido ninguém nem provocado quaisquer danos
materiais (...) pouco depois constatei a presença de um indivíduo
caído no meio da multidão a sangrar (...) desconhecendo-se porém
a origem dos ferimentos."
Azar que ninguém, além do sub-chefe e do guarda Gil Pereira, que também disparou, tenha ouvido tiros no exterior. Azar que mesmo dentro da força da PSP haja quem, não
tendo disparado, indique o sub-chefe e o guarda Gil Pereira como
autores de disparos de dentro do Coliseu, através das aberturas
da porta, e não após sairem para o exterior, como estes sustentam
quer no relatório da PSP quer no inquérito do MP. Azar que para
cima de uma dezena de testemunhas, situadas dentro e fora da sala
de espectáculos, tenha a certeza de ter visto o sub-chefe Duarte
Calisto a disparar com a arma praticamente na horizontal. Azar
que a jornalista da RDP Fátima Moura tenha visto um homem de
farda azul da PSP a verificar a pulsação do jovem caído, pondo-lhe a mão no pescoço.
Azar que João Paulo Aguiar, apesar de alto
— 1,83 m — não tivesse asas e que a bala que o matou lhe
tivesse entrado direita na fronte, sobre o olho esquerdo. Azar
que Carlos Cabral, no interior do Coliseu com a função de
controlar entradas, tenha ouvido dois guardas, incluindo Gil
Pereira -- dizer ao sub-chefe, logo após os disparos e a abertura
das portas, "já mataste o rapaz". Azar que, apesar de certificar
no seu depoimento ter passado toda a área a pente fino em busca de vestígios, o sub-chefe nada declare ter encontrado, quando
passadas 24 horas a PJ encontrou dois invólucros de calibre 7,65
à porta do Coliseu, a juntar a dois outros entregues por civis,
e que foram atribuidos às armas do sub-chefe e do guarda Gil. Da bala culpada nem rasto.
A 30 de Setembro, no dia dos seus anos, Clara Aguiar enterra o
filho único. O julgamento tem lugar em Março/Abril de 94. É
arguido Duarte Calisto, que permaneceu em liberdade e ao serviço
da PSP. O guarda Gil é testemunha de defesa. A 7/4 o tribunal,
presidido por Raul Borges e composto por 8 jurados, decide pela
inocência. A dezena de testemunhas oculares que identifica o
arguido não permite uma decisão sem dúvidas, dada, como reconhece
o procurador da República Mota Botelho "a semelhança física entre
o mesmo e o guarda Gil, que também disparou". Além do mais, há
quem retire das audiências a ideia que pode muito bem ter sido
o guarda a disparar a bala fatal. Fica pois assente que "a
referida bala não veio do exterior; que veio do interior do
Coliseu; que teve origem em disparo de arma da PSP; que foi
disparada pelo ora arguido ou pelo guarda Gil Manuel da Costa
Pereira". Resulta que "para a questão fulcral da determinação
exacta da autoria", a resposta não consegue ir além de um "não
provado", ficando, na dúvida, o réu absolvido."Soçobra"
igualmente a demanda cível, 1.694 840$, efectuada pelos pais.
Ficam pois José e Clara Aguiar obrigados a pagar ao tribunal
40.500$. Para juntar à via sacra de 117.640$ de dois dias de
hospital, 231.340$ do "funeral do menino João Paulo" conforme
factura da casa Silva, cem mil escudos da "pedra lavrada, frete
e mão de obra" para a sepultura, uns contos de réis de missas e
20 mil escudos de taxa de justiça.
De quê? O sub-chefe Duarte Calisto, do seu posto de Ponta Delgada, dá a quantia por bem empregue. "Não ficou nada provado. Não se trata de ficar
satisfeito ou não, já sofri muito com isto, a família passou
muito." Punição diciplinar? "Não tinha de ser despromovido porque
não fui acusado de nada, Isso é um assunto interno." Se não foi
culpado, quem foi? "A bala não se achou. Não vou adiantar nada
como não adiantei depois do julgamento. Fez-se justiça." O guarda
Gil Pereira também continua ao serviço. Novo julgamento, só com
novas provas, certifica o procurador Mota Botelho. E Duarte
Calisto nunca poderá voltar a ser julgado pelo mesmo crime. É da
lei.
Recorrer? José Aguiar tem a sua conta de justiça. "Não sei
sinceramente qual deles foi, apesar de os meus sobrinhos
continuarem a dizer que foi o Calisto. Para mim a PSP não tem
qualquer valor, ficou totalmente maculada. Se a própria polícia
se esconde entre si, qual é a ombridade que têm perante os civis?
Quem devia ter estado ali em julgamento era a PSP. Se fosse recorrer
era para o cível, processar o Estado por dinheiro. E por dinheiro
não vale a pena." Responsável nestes casos em termos civis, pelo artigo 22º da Constituição, o Estado português deu a mão à palmatória num único caso, o de 1º de Maio de 81: as famílias de dois mortos causados pela carga do Corpo de Intervenção da PSP são indemnizadas, sete anos depois, por acordo extra-judicial. Uma lança em África, mesmo se para o Estado o preço de uma vida fica em 800 contos. O pai de João Paulo Aguiar não se anima com o feito."Não nos achamos com forças para voltar àquilo tudo. Foi um ano horrível. Sabe, isto é um meio muito pequeno. Houve pessoas na altura que me criticaram por pôr o assunto em tribunal. Que ía estragar a vida ao homem." Realmente para quê.
|| f., 18:43
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|| (24) comments |
Leiam isto depressa antes que f. poste mais um lençol
Enfim, isto é assim: a f. queixa-se de que só ela é que posta, a malta (eu, a Ana, o Simas) passamos o tempo na balda, uns calões, uns irresponsáveis, etc. Depois, quando a gente posta, ela arranja no minuto a seguir um texto quilométrico desencantado lá no baú dela da Grande Reportagem, põe aquilo e linha e pumba - os nossos textos desaparecem rapidamente (e aqui na blogosfera é como na vida: longe da vista, longe do coração). Serve isto para recordar que, logo a seguir ao lençol da f. que antecede, estão duas curtas pérolas da minha autoria. Uma em que
acuso os nossos pobres liberais de serem uns hipócritas quando se indignam com a corrupção; outra onde, a propósito da extraordinária pontaria que alguns GNRs têm revelado nos últimos dias,
revelo uma das partes mais miseráveis da minha vida pessoal. Pronto, é tudo.
|| JPH, 18:36
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|| (0) comments |
licença para matar, em fascículos
eu sei que prometi ao jph que não ia sotterrar as postas dele (que ele
POSTOU!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! LEIAM-NO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!) com mais uma tonelada de caracteres das minhas obras completas. mas eu sou assim: má comáscobras (acredito mesmo naquilo de 'when i'm bad i'm even better'). e depois não tenho culpa -- juro -- que a gnr tenha resolvido balear mais um carro.
de modo que aqui vai o primeiro fascículo de 'licença para matar', reportagem publicada em 1991 na grande reportagem, com remake em 1996 na sic.
Lisboa, 4 de Novembro de 1981. Três horas da manhã. Um Honda 600 azul escuro desce a avenida da Liberdade, lento, de luzes apagadas. Lá dentro, só o condutor.
É uma noite de Inverno, fria e húmida. As ocupantes habituais dos passeios buscam abrigo nos vãos das portas, apertam os abafos. As ruas estão desertas. O Honda desce até ao quarteirão das Loiças de Sacavém, atravessa a avenida, sobe até ao Tivoli. Atrás, um Datsun com três homens segue-lhe as voltas.
Na rua Manuel Jesus Coelho, o Honda vira à direita. Não tem saída. Inversão de marcha, e está de volta à avenida. O Datsun negro espera-o frente ao cinema. Um dos ocupantes interpela o condutor: "Então essas luzes?" O outro não responde. É o momento que os homens do Datsun, segundo a versão oficial, escolhem para se identificar. Ligam a sirene, puxam do pirilampo e da raquete luminosa, fazem sinais: Polícia.
São 3.25 h da manhã. O Honda não pára. Sobe, vira na Alexandre Herculano e toma a direcção da rua Castilho. No Datsun, Joaquim Manuel Caetano dos Santos, Isidoro Francisco Lima Guerreiro e José dos Santos Simões, os três elementos da brigada especial da PSP, já não o largam. Depois de passar vários sinais vermelhos e de circular com as luzes apagadas, o condutor do Honda não acatou as ordens da polícia. Os homens da PSP asseguram que por duas vezes, antes da rua Alexandre Herculano e em frente à Duque de Palmela, estiveram lado a lado com ele, com todos os dispositivos de identificação policial em funcionamento. Sem resultado. Na rua Castilho, por fim, conseguem interceptá-lo. Atravessam-lhe o automóvel à frente, mesmo ao pé do banco Espírito Santo. No preciso local onde Nuno Francisco Morais Neto, 24 anos, engenheiro técnico-agrário e forcado dos amadores do Ribatejo, tem o hábito de arrumar o seu Honda 600. À porta de casa.
No relato dos três agentes, a partir daí, as coisas precipitam-se. O chefe da Brigada, Joaquim dos Santos, e o condutor do Honda saem quase simultaneamente dos respectivos veículos. Santos, que traz uma metralhadora Baretta debaixo do casaco, grita "Polícia", e exibe o cartão. Nuno Neto atinge-o com uma cabeçada que o faz largar a pistola metralhadora. Na posse da Baretta, com a patilha de segurança em posição de não disparar, aponta alternadamente aos três homens. Joaquim Santos tenta segurá-lo por um braço, o guarda Isidoro dá-lhe com a raquete na cabeça, mas nenhum consegue dominá-lo. É então que o agente Simões sai da traseira do carro e puxa da sua Walther de calibre 7,65mm.
Dispara o primeiro tiro para o ar e os seis seguintes, à distância de 1 a 3 metros, na direcção de Nuno Neto. Pára quando vê que o suspeito, atingido quatro vezes, já não constitui ameaça. Vai buscar as algemas. Mas é inútil.
No corpo de Nuno Neto, a vida foge com o sangue. Sobre ele, desce uma noite mais escura que a de Lisboa, riscada por espasmos azulados de uma ambulância, o reflexo doentio dos corredores de S.José, o clarão ensurdecedor da sala de operações. As balas atravessaram-lhe a artéria ilíaca, rasgaram-lhe os músculos das pernas, o baixo ventre. As pálbebras descem mais uma vez, os olhos dilatam-se sob a anestesia. O líquido que lhe entorpece as veias poupa-lhe a consciência do fim.
Na rua Castilho, a avó de Nuno Neto é acordada pela chamada do guarda do banco Espírito Santo, que viu tudo. «O meu filho vivia com a minha sogra. Quando o guarda do banco, que conhecia o rapaz, lhe telefonou, aquilo tinha acontecido há um tempo», recorda Nuno Pedro Neto, pai do regente agrícola. «Eu estava em Benavente. Vim o mais depressa que pude, mas quando cheguei ao hospital, às 9 da manhã, ele já estava morto. Tinha perdido tanto sangue que o coração lhe falhou, durante a operação. Fui à procura das coisas dele, mas a mulher que tinha ficado com elas já não foi capaz de encontrar as calças e as cuecas. Tinham desaparecido e nunca mais apareceram. Os tiros à queima-roupa deixam marcas, sabe.»
Nessa madrugada, o telefone voltou a tocar na casa da rua Castilho. Um homem, apresentando-se como chofer de táxi, contou à avó do rapaz que tinha assistido ao tiroteio. E que o neto tinha sido baleado sem razão. A senhora pediu-lhe que voltasse a ligar, para falar com o genro. Em vão.Ninguém mais apareceu para contar o que viu naquela noite de Novembro, há dez anos, quando a morte saiu à rua no coração de Lisboa.
«O meu filho vinha de um casamento no Montijo. Tinha ido pôr uns amigos a casa e deve ter-lhe apetecido dar uma volta na avenida. Se percebeu que vinha um carro atrás dele, é capaz de não ter ligado. Os polícias tiveram todas as oportunidades de o fazer parar na avenida: até tinham um carro mais potente. Andaram para ali a subir e a descer atrás dele, e foi só quando ele arrumou o automóvel à porta de casa é que o interceptaram. Se o Nuno fosse a fugir, não ía pôr o carro no sítio do costume. Acho que nem teve tempo para entender o que se passava, quando começaram a disparar. Dizem que ainda tentou tirar a metralhadora ao chefe, mas ele não sabia mexer naquilo. Não tinha ido à tropa. »
Na manhã de 4 de Novembro de 81, os jornais surgem com a notícia. É mais um tiroteio entre polícias e ladrões. Em alguns casos, embora se indique a matrícula e a marca do carro, o jovem baleado não tem nome e é apontado como "larápio de automóveis", "meliante", etc. A PSP fala de perseguição e luta que termina com o suspeito dominado com dois tiros.
Em nenhum artigo se fala de inquérito ou se lança a menor dúvida sobre os acontecimentos. É só alguns dias depois que vêm a lume outras informações. Na edição de 9 de Novembro de O Diabo, faz-se menção ao agente Silva, da esquadra da PSP do Largo do Rato, que naquela noite estava de guarda ao Banco Espírito Santo. Segundo ele, o primeiro tiro teria sido disparado de carro para carro, quando Nuno Neto estacionava o Honda ao pé de casa. O jornal menciona provas —¬ a marca de um projéctil na porta dianteira do lado esquerdo da viatura, as manchas de sangue visíveis no banco do condutor, o fio, medalha e relógio da vítima aí encontrados— e afirma, baseando-se no relato da mencionada testemunha, ter sido o jovem, depois de atingido pela primeira vez, puxado para fora do carro pelos elementos da brigada e baleado à queima-roupa. Curiosamente, esta versão dos acontecimentos — que o guarda do banco, única testemunha ocular a prestar declarações, esqueceria mais tarde ao corroborar o relato dos três elementos da brigada — coincide com os resultados da autópsia e do exame pericial ao Honda de Nuno Neto, que por razões desconhecidas nunca viriam a fazer prova em tribunal. No relatório do Instituto de Medicina Legal, diz-se, na folha 190: "foram quatro os disparos que atingiram a vítima e qualquer deles a podiam ter atingido na posição de sentada. É nítida a direcção de todos os disparos, supondo a vítima sentada, de cima para baixo, de diante para trás, três da esquerda para a direita e um da direita para a esquerda." No Honda, que se anota ter sido "estranhamente abandonado num parque às intempéries, sem qualquer exame imediato, encontraram-se, quando tal exame foi feito, fragmentos de projécteis, quatro provenientes do núcleo em chumbo, três de blindagem (...), sugerindo terem resultado da fragmentação de elementos de calibre 7,65 mm (...)" O mesmo relatório menciona ainda um raspão, no sentido descendente, no interior da porta dianteira do lado esquerdo, causado pela passagem de um projéctil: "poderá ter correspondido a um disparo efectuado através da janela aberta, já com a arma no interior da viatura (...) ou realizado do exterior mas com a referida porta aberta." Além de que "a viatura se encontrava manchada na porta esquerda e nas proximidades e que o sangue das nódoas é humano."
Evidenciam-se assim neste processo alguns factos de compreensão difícil, tanto no que respeita à instrução criminal como ao próprio trânsito em juízo, apesar de na época se ter assegurado, nomeadamente por parte da PSP, uma firme vontade de fazer justiça. O então comandante-geral da corporação, o brigadeiro Almeida Bruno, terá mesmo afirmado que não iria permitir que o caso se transformasse em "mais um".
«Por acaso, eu conhecia o Almeida Bruno e fui falar com ele, depois de aquilo acontecer», recorda Nuno Neto, pai do falecido. «Ele respondeu-me: 'O que é que quer que eu diga a um homem a quem acabam de matar o filho? Eu tenho as mãos atadas, não posso fazer nada. Você, tente apanhá-los, mas desde já lhe digo que não acredito que consiga.' E levou-me ao refeitório, para eu ver o outro lado das coisas, as famílias dos polícias mortos, as mulheres de luto com as crianças. Explicou-me que ele, na sua posição, não podia ajudar-me.»
Dez anos depois, está feita justiça. Absolvido em Janeiro de 90 pelo tribunal de Primeira Instância, José dos Santos Simões foi condenado, por recurso dos familiares de Nuno Neto ao Tribunal da Relação de Lisboa, a dois anos de prisão com pena suspensa e a uma indemnização de um milhão de escudos. Interpondo por sua vez recurso, o réu foi totalmente absolvido pelo Supremo, em Fevereiro de 1991, após novas alegações.
«O julgamento correu pessimamente. Os tipos cerraram fileiras. Falava-se daquele polícia e ele respondiam com a corporação. Vieram testemunhar oficiais que o tinham condecorado, arranjaram uma história de uma missão qualquer em que ele, por não querer disparar, tinha deixado um colega em perigo, para provar que não era tipo para disparar à mínima provocação. » Nuno Neto fala com um desgosto cansado. Lembra leis antigas, olho por olho, dente por dente. Mas a revolta é um vulcão extinto que lhe deixou na face um rasto de pedra. A justiça portuguesa? «Um complot», para resumir.
José Santos Simões não ficou surpreendido com o resultado do processo. Dez anos depois, continua na esquadra de Santa Marta, e o PBX passa-lhe a chamada sem perguntar porquê. Depois de um breve silêncio de espanto, por lhe lembrar uma história tão antiga, responde com satisfação: «Foi feita justiça. Foi sempre aquilo que esperei.» A corporação apoiou-o ao longo deste tempo todo? José Simões hesita um pouco, a voz em falso, como quem não sabe a resposta certa. «Sem dúvida que sim». Chegou a estar preso? «Não...» Acabou o tempo. «Mas se quer saber mais alguma coisa, a senhora tem de se dirigir ao nosso comandante. Eu não sou a pessoa indicada.»
Quem reclama este corpo?
Um dia, um homem existe. No outro dia partiu. Deixou para trás um nome, a impressão das linhas do rosto em algumas fotografias, o eco de uma ou duas frases, a pulsação ténue de uma alma. Cada dia que passa é mais difícil encontrar a sua sombra, até que finalmente o olvido suavize o delírio da falta. Uma ou duas pessoas farão os possíveis por permanecer perto dos vestígios desse corpo, salvá-lo do seu destino. Sofrer até ao fim e recomeçar de novo, para que nada se perca. Mais ninguém quererá falar dele, ninguém quererá carregar consigo o peso dessa sentença. Remete-se a culpa à casualidade das coisas, ao supremo desígnio de uma realidade indecifrável. Depois da raiva, os sentimentos são terra queimada que reduz os gestos a uma inutilidade enluvada. Não há ninguém para assumir esta culpa, mesmo que nas suas mãos tenha estado a arma que disparou. Justiça é uma palavra demasiado divina para ser pronunciada por homens, e só se entende como caricatura. Nenhum sacrifício, nenhuma pena, redime este lugar vazio. A morte é uma obscenidade que tudo reduz a silêncio.
Benavente, 4 de Novembro de 1991. Os pais de Nuno Neto vão sair, como todos os anos no mesmo dia, para a missa por alma do filho. «Os tribunais julgaram, não há mais nada a fazer. Temos de nos resignar.» Do outro lado da linha, a mãe faz uma pequena pausa, a deixar o silêncio sublinhar o peso de cada palavra, para que caia bem fundo e não atormente mais a memória. «Mas nunca nos resignamos.»
A vida flui, continua a correr, mesmo que a qualquer hora, num lugar qualquer, um rosto de passagem, uma silhueta distante ou um telefonema invoquem as marcas de uma ausência indelével. Então a dor revela-se uma aliança perpétua, sem recurso. Sente-se-lhe a presença como uma aura, uma bruma tépida que as palavras atravessam com dificuldade. Que nada pode aplacar. Porque os mortos não regressam, nem para clamar vingança. E os deuses, já se sabe, nunca se levantam.
|| f., 17:58
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Polícias e tiros na cabeça
Vou agora comunicar-vos uma novidade que vos fará rir (e que me fragilizará para todo o sempre). A novidade é esta (preparem-se, que isto é de perder o fôlego). Aí vai: fui polícia. É verdade: durante um ano fui polícia. Mais concretamente, polícia do Exército, no SMO. Sei de experiência o que foi o ridículo do treino de tiro que recebi - e, malfadadamente, mas sem entrar em pormenores, sei também das consequências trágicas que isso pode ter.
E portanto é com esta autoridade toda - relativizada, claro, ao facto de a minha polícia não ser equiparável às outras a sério, como a GNR ou a PSP ou a PJ- que comento os mais recentes casos da GNR. Entendamo-nos: evidentemente que um polícia deve ter direito de usar a arma, nomeadamente em legítima defesa para evitar perda de vidas humanas, por exemplo. Mas convém que só o faça quando tem treino para isso. Portanto, senhores polícias, peço-vos um favor: se não têm treino para disparar sobre alvos em movimentos (carros, sei lá) então não disparem, por mais que isso vos custe.
|| JPH, 17:42
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Os liberais são contra a corrupção?
Muito gostava eu de perceber porque é que o nossos arrojados liberais blogosféricos se preocupam com a corrupção no Estado. Simplistas e esquemáticos como são na sacralização do mercado, não poderiam, em bom rigor, deixar de achar que a corrupção é só mais mais uma componente, tão natural como todas as outras, da "mão invisível" que nos governa.
A corrupção distorce o mercado? Qual é o problema? Segundo os liberais, quem tem unhas é que toca guitarra. Se alguém fica de fora, que dê aos pedais e se o "mercado" não o premiou então é porque está a mais. E os políticos enchem-se à pala do erário público? Sim, está bem, é chato, mas a verdade é que com o dinheiro que ganham vão certamente querer construir grandes casarões e comprar grandes carrões - e isso é a economia privada a funcionar, gera lucro, emprego e aumenta o PIB.
Qual é então, senhores liberais, o vosso problema com a corrupção? Um problema ético? Por amor de Deus, meus caros, não me venham dizer que isso vos preocupa. Pelo menos no que toca ao andamento da economia.
|| JPH, 17:02
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sexta-feira, outubro 6
and now, for something completely different, another das minhas causas: mr oscar wilde
seguindo a tradição das republicações da extinta gr, apeteceu-me descarregar aqui um texto que, se a memória não me falha, saiu ligeiramente modificado na revista. é grande, enorme, claro, e não tem nada com pedro arroja, portanto terá decerto menos leitores, mas é para compensar a falta de trabalho dos meus saudosos colegas de blogue.
aqui vai a posta em versão semanário.
OSCAR WILDE
A IMPORTÂNCIA DE SER INÚTILFoi há cem anos, na Inglaterra de Victoria. A primeira tragédia moderna do "amor que não ousa dizer o nome" era levada à cena por um irlandês poeta, dramaturgo, esteta e especialista em epigramas para quem a inocência era o pior dos crimes, a coerência falta de imaginação, fazer nada a maior virtude e a arte única redenção. Em nome da história, a Moral agraciou-o com dois anos de trabalhos forçados, opróbrio e exílio. "Cada homem mata aquilo que ama", respondeu ele, e morreu por causa de um papel de parede. Há quem diga que foi a solidão e a miséria, a culpa ou até a sífilis: não fosse sempre Judas a escrever a biografia, talvez o que realmente aconteceu tivesse alguma importância."
For Beauty is justified for all her children, and cares nothing for explanations " (O.W.)
Lembro-me perfeitamente. Rosto deliberado, olhos intensos e boca flácida, o corpo inerte, mordaz. Esplendor na voz, lentas frases a prumo em vazio insolente, aço a fio nas palavras sem rasto. Assassínio do senso comum como uma das belas artes ou a moral da contradição pura, em versão jogo de sociedade: nunca nada assim. Vi-o a primeira vez com Lillie Langtry, aliás, Emilly Charlotte Le Breton, a professional beauty de Jersey que, contam, chegou mesmo a ter um caso com ele antes de ele se converter aos rapazinhos e ela à família real. As versões são muitas, tantas como quem as diz, mas que chegaram a ser muito amigos tenho a certeza. Ele, que lhe escreveu uma mão cheia de poemas, lhe passou noites na soleira da porta e lhe chamava Helen, once of Troy, now of London, dizia que a tinha inventado. Ela dizia que ele era simpático e que nem sempre andava muito lavado e, como boa femme fatale, divertia-se a ignorá-lo nas soirées de cada vez que ele a contrariava. No fim foi conforme os biógrafos: uns dizem que ela, como quase todos, o abandonou, ela escreveu nas memórias, The Days I knew, que lhe mandou dinheiro e que nunca deixou de pensar nele. Como era uma grandessíssima aldrabona, o mais certo é ser mentira. De qualquer maneira tanto faz, acho-lhe graça na mesma. Faziam um par fantástico, os dois sem ter onde cair mortos, ela lindíssima e ele sempre a desconversar, a dizer exactamente o contrário do que toda a gente dizia, com aquele ar de superioridade irresístivel. Num par de meses tomaram Londres de assalto, ou by storm, como dizem os ingleses. Chegou a tal ponto que o princípe de Gales — o tal que como a mãe Vitória nunca mais lhe largava o trono se ía entretendo a catrapiscar as mulheres mais bonitas da corte —, além de se render instantaneamente aos encantos da Lillie, que acabou por ser a mais famosa e duradoura das suas amantes, escreveu ao Oscar um bilhetinho que rezava "Não conheço o Mr Wilde, e não conhecer o Mr Wilde é não ser conhecido". Em inglês fica melhor, mas em qualquer língua é obra, ainda mais porque nessa altura, em 1881, acabado de sair de Oxford e com 26 anos, Wilde não tinha rigorosamente nada que o recomendasse a não ser a personalidade, consumindo-se na dúvida, como confessou aos jornais, entre seguir a carreira de pintor ou de escritor. Ele, que mal sabia pegar num pincel, mesmo se a dada altura empreendeu ter em casa e bem à vista um cavalete com um esboço inacabado, provavelmente encomendado a um dos amigos pintores, com um dos quais — Frank Miles — chegou a partilhar no ínicio da década de oitenta uma magnífica casa em Tite Street, Chelsea, remodelada a peso de ouro por um famoso arquitecto, baptizada "Keats House" e não muito longe da de outro pintor e amigo, James Whistler. Lembro-me de o ter ido lá visitar com um amigo comum, e de, na única altura em que abri a boca, lhe ter gabado a precisão do traço. Já não recordo bem o de que era o desenho, provavelmente nem cheguei a reparar, tal era a minha ânsia de não dizer ou fazer nada que desse azo a uma daquelas tiradas arrasadoras dele. "Só falta a borboleta", respondeu, numa óbvia alusão à assinatura de Whistler — passavam o tempo todo a picar-se um ao outro, até que finalmente se deixaram de falar — relanceando-me naquele misto de condescendência e indiferença que reservava para as pessoas sem importância. Toda a gente sorriu e a conversa correu para outros lados. Passei o resto da soirée a debicar muffins em sinal de penitência e a admirar a decoração, sobretudo as famosas porcelanas azuis, num contraste perfeito com as paredes de painéis brancos. Foi só à saída, quando ele me cumprimentou e me disse para o visitar sempre que pudesse, até porque, sem que ele conseguisse perceber porquê, o padeiro lhe entregava sempre uma horrível quantidade de muffins a mais, tive a certeza que, embora tivesse sempre ocupado a monopolizar as atenções, nada lhe escapara. Escarlate dos pés à cabeça, balbuciei um agradecimento e precipitei-me para a porta, ainda o ouvindo, distintamente, dizer: "Não vejo para que é a pressa; afinal, sempre tive uma admiração especial pelo vermelhão. É o magenta que, pelo contrário, me é desagradável em extremo".
Afinal, descobri — após uma semana de desolada reclusão — quem tinha uma certa queda para as artes plásticas era Willie (William) Wilde, o mano mais velho, se bem que nunca tenha investido muito no assunto. Balançando, para não ficar atrás do irmão, entre a escultura e o jornalismo, acabou por se decidir pelo segundo. Advogado de formação embora mal tenha praticado, colaborou com várias publicações, incluindo a Vanity Fair , fez crítica de teatro — até, desconfio, das peças do mano, e não para dizer bem — e dedicou-se, segundo instruções da mamã e sem grande sucesso, à perseguição de uma herdeira rica que lhe sustentasse a indolência. Com dois anos de diferença, igualmente enormes (um e noventa) e com tendência para o balofo, expressão decalcada e um mesmo entusiasmo por não fazer nada, os dois irmãos eram demasiado parecidos para o gosto de Oscar, que se reservava uma adoração demasiado exclusiva para suportar a existência duma sua cópia ambulante, mal aproximada e claramente despeitada. Willie, que se ressentiu sempre do êxito do irmão e nunca perdia uma oportunidade de o pôr a ridículo, chegou até a deixar crescer uma barbicha, espalhando por todo o lado que Oscar lhe pagara para isso. Se o fez foi dinheiro mal empregue, porque para mim seria impossível confundi-los, mesmo antes de abrirem a boca: além de, seguindo a tradição desvairada da mãe, se vestir de modo completamente distinto (do irmão e de toda a gente), Oscar tinha uma pose tão peculiar e um olhar tão único que só alguém muito distraído poderia sonhar baralhá-los. De qualquer forma eu até acharia graça, ter assim uma caricatura de mim a flanar pelos salões, mas Oscar nitidamente não tinha o mínimo sentido de humor no que respeitava a ele próprio e à sua imagem, para ele tão inseparáveis como a trindade do Espírito Santo. O certo é que um e outro tinham um feitio tramado e a rivalidade entre eles vinha da infância e da disputa do amor da mãe, que começou por só ter olhos para o Willie para depois apostar tudo no Oscar, e com a morte dela os irmãos acabaram por cortar completamente relações. Não sei se Willie, que acabou por morrer um ano antes de Oscar e cujos infelizes gracejos a seu respeito e da sua homossexualidade George Bernard Shaw me reproduziu, terá tido oportunidade de apreciar devidamente a fineza do destino. É que a sua única filha de dois casamentos, Dolly, viria a revelar-se, bem à altura da tradição familiar, uma notável do círculo parisiense de Nathalie Barney, a Amazona, ao lado de celebridades como Marguerite Yourcenar e Djuna Barnes, nenhuma delas conhecida pela sua devoção aos homens.
Enfim, a família tem destas coisas e a dos Wildes, talvez para fazer juz ao nome, trazia já o ferro do escândalo. O pai, William Wilde, médico, especialista em olhos e ouvidos, autor profícuo de livros de medicina, arqueologia e compilações folclóricas, e, apesar das suas simpatias nacionalistas, nomeado cirurgião real e armado cavaleiro em 64, tinha já três filhos ilegítimos em 1851, quando casou com Jane Frances Elgee, aliás Speranza Francesca, poetisa fervorosa da causa irlandesa que maugrado as sólidas origens de classe média anglo-irlandesa, incluindo um assentador de tijolos, jurava sobre a sua ascendência tuscana e a sua descendência da Dante Alghieri, quando não justificava o perfil aquilino com o facto de ter sido uma águia noutra vida. Ele de estatura média e ela com quase um metro e noventa, ele reputado sedutor, acusado de ter em 62 cloroformizado e violado uma paciente, ela autora de poemas e editoriais inflamados contra a Inglaterra, capaz de se erguer a meio do julgamento do editor da revista em que colaborava, acusado de sedição da coroa, para o defender de viva voz e de sustentar em tribunal — para perder — o nome do marido no caso do clorofórmio, ambos com pretensões artísticas e produção à altura, não eram de todo o casal convencional da época victoriana. Mesmo se, é claro, a época victoriana nunca foi o que quiseram fazer dela. Filhos ilegítimos e affaires extra-conjugais era, posso garantir, coisa que não faltava, e juraram-me que a própria Sra Wilde, tão compreensiva em relação às "faltas" do marido, teria sido, ainda donzela, apanhada em flagrante com o advogado e líder parlamentar irlandês Isaac Butts, e logo pela esposa do próprio. Verdade ou mentira, o certo é que Butts também tinha o seu quinhão de filhos ilegítimos, como provavelmente dois terços da ruller class victoriana, para quem o único crime, como o meu caro Óscar viria a descobrir, era não tanto estar inocente mas mais deixar-se apanhar. E mesmo se apanhado, como no caso de Sir William Wilde, dependia muito: não foi por o tribunal ter achado que como médico teria efectivamente abusado de uma paciente que a academia real deixou de o condecorar uns anos depois. Toda uma doutrina de ocultações, compromissos e hipocrisias que, avant Oscar, já a sua fantástica mãe reduzira, digamos assim, a elipse wildeana. Sendo instada por uma amiga a receber uma senhora supostamente "respeitável", conta-se que respondeu: "Peço-lhe que não use a palavra respeitabilidade na minha casa; respeitáveis são os comerciantes. Nós estamos acima disso."
Impudente e imprudente, capaz de, aos sessenta anos, dizer a um meu amigo "quando for da minha idade, meu jovem, saberá que só há uma coisa no mundo por que vale a pena viver, o pecado" ou de, em algumas linhas
— "I should like to rage through life / this orthodox creeping is too tame for me / ah, this wild rebellious ambitious nature of mine. I wish I could satiate it with empires, though a saint Helena were the end" — predizer o destino do notório filho, a formidável e espalhafatosa Jane Elgee foi, com toda a sua pompa, excentricidade, paixão pelo escarlate, mania das grandezas e génio, bem a mãe de Óscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde. Haveria de dizer, já em Londres e no seu salão sempre sombrio, de cortinas corridas e à luz de vela em pleno dia para não destacar demasiado as marcas da idade que como Oscar haveria eternamente de sonegar, que durante os dez primeiros anos do segundo filho sempre o vestira e tratara como menina. Um dos retratos sobreviventes atesta a teoria, mesmo se toda a gente sabe que até à época eduardiana era hábito enfarpelar assim as criacinhas, machos ou fêmeas. Primeiro as pessoas decidem no que querem acreditar, depois procuram as justificações e os pretextos. Não escreveu George Bernard Shaw, depois de certificar "toda a normal repugnância pela homossexualidade — se é que é normal, coisa de que nos nossos dias se é por vezes provocado a duvidar", que o "desvio" do colega se deveria ao "gigantismo" herdado da mãe? Nunca tive oportunidade de lhe perguntar onde encaixaria Willie, não só filho da mesma giganta como igualzinho ao irmão, mas foi pena. Fiquei no entanto a saber que, se Shaw via Oscar pouco homem numas coisas, o apreciava sobremaneira noutras, nomeadamente por ter sido o único literato londrino que se lhe prontificou a assinar uma petição apelando à libertação dos anarquistas de Chicago. Mandado à fava pelos outros "heróicos rebeldes e cépticos no papel" , Shaw, que lá por também ser de Dublin nem gostava especialmente de Wilde, até o achava um snob insuportável da pior espécie — a irlandesa — dizia a quem o quisesse ouvir que nunca na vida tinha esquecido o desapego daquele gesto. E garantia que, no mesmo momento em que soube que Wilde tinha sido condenado, se apressou a rascunhar-lhe os primeiros socorros, algures num comboio, sob a forma de petição. A qual nunca haveria de servir para nada pois passados uns dias, esbarrando num teatro qualquer em Willie Wilde, Shaw deixar-se-ía amavelmente sossegar nos seus intentos pelo irmão do condenado, que punha a mão no fogo pela impossibilidade de obter assinaturas. Uma particularíssima forma de acção revolucionária esta, é certo, mas talvez seja justo refrear a má língua, até porque por essa altura andava em tournée na América e, apesar de ter visto umas coisas nos jornais e recebido um telegrama (ainda não havia telefone nessa altura) lavado em lágrimas da minha irmã, que sempre adorou o Oscar mas por viver em Sintra não se dava com ninguém do círculo, não estou bem a par de todos os desenvolvimentos. Segundo li e ouvi, houve outras petições mas todas tiveram o mesmo destino graças à cooperação entusiástica do mundo literário de Paris e Londres, com Henry James a dizer que não assinava porque assinar não ía servir de nada, Sardou que "o assunto era demasiado vil para ele se misturar nele" e até Zola a não acusar o toque. É caso para grande desilusão, se a pessoa for do género de acreditar que lá por as pessoas falarem e escreverem umas coisas libertárias, a clamar justiça e assim, estão dispostas a agir segundo esses princípios. Eu, que sei bem o meu Oscar Wilde, saio-me logo nestas ocasiões com um catadupa de epigramas apropriados, tipo, em tradução livre, "a coerência é o último refúgio das pessoas sem imaginação", ou "Nunca se deve tomar partido; tomar partido é o começo da sinceridade e a sinceridade leva quase de certeza à candura" ou, um dos meus favoritos, "São sempre as pessoas muito sensíveis que traem: não conseguem suportar a ideia de dever alguma coisa a alguém". Mesmo assim, e por causa das coisas, decidi deixar de falar ao Henry James e ao Sardou, coisa que nem me custou muito porque não os conhecia.
Mas estou a andar muito depressa: no capítulo dos Wildes é preciso ainda mencionar as duas grandes iniciações à tragédias. A primeira, em 67, tem Oscar treze anos, é a morte da irmã Isola, filha mais nova de Speranza e Sir William. Vitimada por uma febre cerebral aos nove anos, Isola deixa um vácuo entre os irmãos que jamais será preenchido. Oscar, até aí claramente o terceiro na linha de afecto da mãe, parece mesmo assim ter sentido mais o drama que Willie, escrevendo em memória da menina que cresceu tão suavemente "que não chegou a perceber que era mulher" um suave poema de mágoa e silêncio, Requiescat , e indo visitar-lhe o túmulo muitas vezes. Quatro anos depois, em 1871, é a vez de Emily e Mary, 24 e 22 anos, as irmãs ilegítimas que viviam com um tio, imoladas nas suas crinolinas de festa por se chegarem demasiado à lareira. Dos seis irmãos de sangue que todos os Verões se juntavam em Glenmacnss, na costa da Irlanda, restam apenas os três rapazes: Willie, Oscar e John, de apelido Wilson, o ilegítimo mais velho.
Com uma família tão confusa e trágica, não admira que os enredos de Óscar, mesmo que clamasse ao quatro ventos "o impossível em arte é qualquer coisa que tenha ocorrido na vida real" se percam em assassínios, complots, adultérios, orfandades e identidades duvidosas, comédias mascaradas de tragédias e vice-versa. O casamento é invariavelmente uma farsa — "qualquer casamento nasce de um mal entendido" —, e sob o celofane das aparências adivinha-se, em precípicio, o mais radiante vazio. Mas porque, apesar de irredutivelmente moderno, Wilde era um irredutível romântico, o amor surge ainda como redenção improvável, sempre tingido pelo sacrifício. "Cristo pertence ao universo dos poetas", escreveu ele em 1897 no De Profundis, a carta-testamento-acusação para Lord Alfred Douglas, o Querido Bosie de cara de gelo e alma de exterminador cujo gosto por prostitutos, dispêndio aristocrático e indiferença congénita, mais o pai marquês boxeur homofóbico, haviam de levar Oscar à cruz. Não sei como me contive, nas poucas vezes que encontrei aquele horror de homenzinho — estou a falar do Bosie, não do papá Queensberry, que com aquele treino todo de pugilato ainda me dava de certeza umas peras — e não o deixei estendido com uma cabeçada num daqueles casinos onde ele passava a vida nos intervalos de escrever livros, e foram para aí uns três, à custa da sua relação com o Oscar. Quando me lembro que foi ele que, contra o conselho e a insistência de quase toda a gente, incitou Oscar a lançar contra o papá Queensberry um processo por difamação sem pés nem cabeça — estava-se mesmo a ver que, para mais sendo mesmo verdade que a relação deles, conforme acusava o velhote, não era exactamnte platónica, a coisa só podia dar em escândalo e acabar como acabou — e ainda por cima, depois já do triunfo do marquês e quando se esperava que a qualquer momento levassem Oscar preso para ser julgado por sodomia, bastava falar de fuga para o estrangeiro para o pôr completamente histérico, fico fora de mim. O descaramento da criatura, que nem testemunhar foi, e que, protegido por Oscar e pelos advogados do pai, não teve de passar pela vergonha de ver o nome citado entre manchas fecais testemunhadas em lençóis por empregados de hotel e a procissão de prostitutos que ele próprio se encarregara de arregimentar, para depois, furioso por o amante saído de dois anos de trabalhos forçados não o querer ver, lhe escrever cartas verrinosas acusando-o de não perceber que ele, Bosie, a banhos na costa de França enquanto Oscar entrançava cestos numa cela húmida sem poder falar com ninguém, sem nada para ler e sem poder escrever, tinha de facto sido quem mais sofrera com "tudo aquilo". É verdadeiramente fantástico. E o melhor de tudo é que Oscar — que lá sabia do falava quando se perguntou "porque será que corremos para a nossa própria ruína? Porque exerce a destruição um tão grande fascínio? — acabou mesmo por voltar para ele, contra tudo e todos, para ser abandonado assim que, levado à bancarrota pelos processos (que, por acaso, Bosie lhe tinha garantido pagar com o dinheiro da família) derreteu o último tostão no aristocrático altar do amado. Palavra de honra, o coração humano nunca há-de deixar de me maravilhar, por mais que veja, ouça, leia e saiba, como Oscar escreveu na Balada de Reading Gaol , que cada homem mata aquilo que ama.
E lá me perdi outra vez. Andávamos pela adolescência e Oscar, que adorava inventar a vida de trás para a frente e achava o máximo dizer que tinha sido educado em casa até entrar em Trinity College, estava interno na Portora Royal School , onde o mano também andou. Entrou para lá aos nove e saiu aos dezasseis, com uma das três bolsas concedidas anualmente e com direito a letras de ouro no quadro de honra. Vinte e quatro anos depois, vilipendiado por conduta indecente no tribunal de Old Bailey, ouviria dizer que a direcção de Portora se dera ao trabalho de não só mandar apagar a infâmia a camadas de tinta negra como ainda de raspar as iniciais que o menino Oscar num dia qualquer de enfado riscara na madeira da janela de uma das salas de aula. Em Oxford fizeram parecido, como nos teatros onde corriam as peças dele. A Importância de se chamar Ernesto, má tradução de The importance of being Earnest, que muita gente considera a sua obra prima, mal acabara de estrear nessa altura, e para não perder o dinheiro muitos empresários preferiram retirar o nome do autor do cartaz, provavelmente sem sequer se darem conta da irónica mise en âbime do gesto, tão adequada ao tema e ao título da peça.
Em Trinity College, de onde sairia para Oxford com um prémio literário, o celebrado Newdigate, e já com a reputação de esteta apaixonado pelo gregos e contraditor impenitente a meio gás, distinguiu-se pela velocidade das leituras — juram que conseguia em dez minutos apreender o plot de uma novela, a calcorrear-lhe as páginas ao mesmo tempo que falava — pelo domínio dos clássicos, com relevo para o Agamemnon de Ésquilo, e pela incurável arrogância com que deixava colegas e professores fora de si, para além, é claro, das camisas escarlates e lilazes que já aos treze anos reclamava nas cartas à mãe. Oxford, onde se deu tão bem que anos mais tarde aí haveria de, numa das muitas visitas de nostalgia, conhecer Lord Alfred Douglas, foi o último limar de arestas do personagem. Foi lá que trocou o que lhe restava de provincinismo irlandês pela sobranceria londrina do génio, apurou a sua devoção à beleza masculina e, contra os postulados de Arnold e Pater, as duas autoridades saxónicas na matéria, estruturou as bases da sua teoria da crítica, proclamando-a como um ramo independente da literatura, com as sus regras próprias. Se Arnold dissera que se deve ver o objecto como ele é, se Pater concedera que para isso era necessário consciencializar e analisar as impressões que o objecto causa no observador, deslocando assim o centro de gravidade para o sujeito, Wilde, numa das suas típicas piruetas linguísticas, concluiu que o dever do crítico seria então "ver o objecto como ele não é". Corolário teórico de uma pose irredutivelmente individualista, este tomar do Eu como centro absoluto do universo teria, é claro, consequências bem mais vastas que o revolucionar da crítica de arte. Na História como no resto, Wilde haveria de defender que "o único dever era reescrever tudo", decretando de uma penada a impossibilidade da existênca autónoma da Natureza e da Realidade. O que, é claro, correspondia apenas à implosão de todo o edifício teórico do antigo regime, Moral incluída. Que a uns milhares de quilómetros de distância e com outro tipo de vigor Friedrich Nietzsche levasse alegremente a cabo a mesma tarefa, é talvez apenas mais uma demonstração prática da imponderabilidade do espírito humano ou da enésima lei de Wilde, a saber, "não são os grandes homens que simbolizam as épocas mas as épocas que servem de símbolo aos grandes homens". Como não falo nem nunca falei alemão não consegui apurar, por mais que perguntasse a torto e a direito, se um soube do outro. Sei apenas o que toda a gente sabe, que Oscar gostava tanto dos niilistas e do seu trágico perfil de rebeldes orfãos que lhes dedicou a primeira peça (Vera ou os niilistas), mas não consegui que ninguém me dissesse se tinha ouvido falar de Nietzsche ou se lera alguma coisa dele. Como defendia que o dever do artista é, não inventar porque isso equivaleria a falta de imaginação, mas anexar tudo, não saberei jamais se a identidade quase gémea das ideias e de não poucas frases corresponde a alguma "anexação" wildeana. De qualquer modo, e porque, como escreveu Nietzsche, "temos a arte para não morrer de verdade", posso acreditar que se corresponderam entusiasticamente e que as cartas se perderam na hecatombe final das duas vidas. Ambos têm demasiadas biografias — tantas como os Judas, como esperaria o Oscar — e não tive paciência para as ler todas, mas quer-me parecer que ninguém se lembrou de explorar esta pista. Richard Ellmann, o biógrafo de 1987 e provavelmente o mais fidedigno, coisa que Wilde seria o primeiro a censurar-lhe, sustenta uma teoria que aproxima mais os dois grandes cínicos, se bem que a uma pouco glamourosa luz. Diz Ellmann, baseando-se em opiniões de especialitas, que Oscar terá, nos seus anos de borga em Oxford e antes de declarar que ir para a cama com uma mulher era como "mastigar carne de carneiro velho" (esta é que as feministas nunca lhe hão-de perdoar e, pensando bem, eu também não), apanhado sífilis com uma qualquer prostituta. E teria sido esse contágio, ocorrido aos vinte e poucos anos, que não só o teria impedido de, na época, casar com Florence Balcombe, a grande paixão da adolescência entretanto roubada por Bram Stoker, autor de Drácula, como lhe viria a causar a nunca explicada morte aos 46 anos. Eu por mim não vejo evidência nenhuma disso, até porque Oscar, que como toda a gente sabe nunca foi uma pessoa regrada na sexualidade, não só nunca falou a ninguém desse assunto como casou com Constance Holland e teve dois filhos, Cyril e Vyvian, sem que aparentemente nenhum deles, por mais que sofressem com o abandono a que os votou e com as consequências do escândalo, desse mostras de qualquer contágio. Claro que isso não prova nada, mas francamente quem é que quer saber se o Oscar morreu de sífilis, ou, como outros garantem, de uma infecção no ouvido contraída durante o tempo de prisão? E a não ser que se interprete como loucura a mudança de personalidade que nele ocorreu a partir da entrada na prisão, em 95, ao passar a ver o segredo da vida no sofrimento em vez de na arte e ao já não ser capaz, como ele próprio confessava, de "rir da vida como era costume", não vejo qualquer interesse nesta precisão.
"Nascemos todos reis e, como os reis, muitos de nós morrem no exílio". Se Oscar Wilde estava predestinado a gravar na sua vida cada epigrama, este não foi excepção. Obrigado a mudar de nome e a saír de Inglaterra, transmutada de corte a seus pés em país de fúrias que o perseguirão de dedo em riste por toda a parte, acabará em Paris, no Hotel de Alsace, à mercê de alguns amigos fiéis e da inesperada bondade de estranhos. O homem que seduzira, arrasara e enraivecera toda uma geração de beaux esprits , cuja aura sem obra deixara em 1881 a super-actriz polaca Maria Modjezka absolutamente perplexa ("Não percebo. Quem é este rapaz? Que é que ele fez? Que livro, que peça escreveu, que quadro pintou, para que toda a gente lhe dê tanta atenção? É verdade que fala muito bem, mas o que é que ele fez? Não percebo."), que decretara a gloriosa inutilidade da arte e carregara toda a sua glória no prodígio único do nome haveria de apagar no alias Sebastian Melmouth (de Melmouth The Wanderer, romance de um antepassado paterno), passar os derradeiros três anos a esbarrar em velhos camaradas que lhe viravam a cara e chegar a esmolar bebidas nos cafés de Paris. Rico graças — enfim — à morte do marquês de Queensberry, a besta Bosie recusar-lhe-à qualquer ajuda, tratando-o de egoísta e puta velha. De Constance Holland, a mulher escorraçada, o seu anjo mártir que tanto quis reconciliar-se com ele e o deixará viúvo em 18xx, receberá a única pensão que de todo não mereceu, insuficiente para as dívidas acumuladas em anos e anos de suites, champanhe e cravos verdes. Não voltará ver os filhos, não voltará a escrever, mesmo se chega a prometer um ajuste de contas com Reading Gaol, a Balada do Rapaz Pescador, dedicada à alegria do amor como a outra o fora à tragédia, baseada nas últimas indulgências da costa francesa e italiana como a outra o fora na morte de um condenado. E, como Cristo na cruz, há-de viver para se renegar: "Escrevi quando não conhecia a vida e agora que a conheço não consigo escrever". Mas há-de ressuscitar em todo o esplendor, encontrado o caminho no hotel onde agoniza os últimos dias de Novembro de 1900, um século vencido e outro a seus pés. "Either this wall paper goes, or I", citam as escrituras como suas últimas palavras. Ou digo eu, Judas de serviço.
Falta muita coisa neste evangelho, mas não tenho mais tempo. "O público é maravilhosamente tolerante: perdoa tudo, menos o génio", costumava ele dizer, com a exacta leveza de quem julga estar a fazer jogos de palavras e não a traçar o próprio destino. Afinal, se "toda a vida é uma limitação", umas são mais limitadas que as outras, e a dele aproximou-se mais do impossível que definiu como arte do que alguma vez terá sonhado. Se soubesse quantas décadas após a sua morte Portora acedeu enfim a reabilitar-lhe o nome e que foram necessários cem anos para que Oxford lhe seguisse o exemplo, saborearia devidamente o seu cálice de profecias. Mas se pudesse saber disso saberia também do resto, do quanto a desgraça o fez grande, do quanto o nome maldito se fez imortal, do quanto ele, que antes de ter obra era arte, é toda a sua obra. Do quanto era doutro tempo e doutra raça, ou, como diz Richard Ellman, One of Us. E do quanto, nunca antes como depois dele, foi tão importante ser, saber ser e querer ser inútil. Acho que era isto o que eu, que nunca tive ocasião, gostava de lhe dizer.
|| f., 21:14
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o direito à vida do vitor hugo
O Vitor Hugo morreu. Levou um tiro no pescoço às duas da manhã de terça-feira, no Porto. Tinha 21 anos e, dizem os amigos, vinha de “uma noite de copos”.
Eram quatro no carro, entre os 17 e os 21 anos. À uma da manhã, a polícia mandou-os parar. Não pararam. Porquê? O condutor diz que o seguro do carro não estava em dia, que tinham umas pedras de haxixe e talvez álcool a mais. Ao fim de uma hora de perseguição, a polícia abriu fogo. Cinco tiros de metralhadora direitos aos ocupantes do banco de trás. Um acertou no pescoço do Vitor Hugo, dois no Bruno, de 18 anos, que sobreviveu.
O agente que disparou tem 29 anos e é da GNR. Terá dito à Policia Judiciária que só entrou na perseguição no fim, que julgava só haver duas pessoas no veículo em fuga e que queria acertar nos pneus mas a inclinação da rua provocou um desvio na trajectória dos projécteis. A GNR alega que os disparos se justificam por ter havido uma tentativa de atropelamento de um dos seus militares, condução em contramão, passagem de sinais vermelhos, e uma arma deitada pela janela (apreendida, mas cuja posse é negada pelos jovens). Que o objectivo não era atingir pessoas mas imobilizar o carro, que representava “perigo para a segurança pública”.
Como qualquer morte violenta, esta está sob investigação. O agente que disparou foi indiciado por um homicídio com dolo eventual e pelo mesmo crime na forma tentada. Mas um representante sindical já veio a público certificar que a actuação dos militares lhe pareceu “correcta”. Nestes casos, há invariavelmente um representante sindical que, antes sequer de o inquérito começar, já sabe que o resultado só pode ser favorável ao agente ou agentes envolvidos.
Também é costume, nestes casos, falar-se de “perigo para a segurança pública” e de “desobediência à autoridade”. E, sempre que se trata de justificar o uso de arma de fogo contra veículos em movimento, aconteceram “tentativas de atropelamento” ou mesmo “disparos contra os agentes”. O que não é comum é alegar que deitar uma arma pela janela é motivo para se ser baleado – esta é nova. De resto, o caso segue a cartilha habitual das polícias portuguesas na justificação do uso de armas de fogo, a que nunca falta a recordação dos agentes mortos em serviço – como se o facto de haver meliantes armados e capazes de tudo que às vezes atiram contra a polícia justificasse qualquer disparo policial, em qualquer circunstância.
Dessa cartilha, bem conhecida de quem tenha feito alguma investigação sobre o assunto, consta outro extraordinário facto: os polícias que disparam são invariavelmente apresentados como se não fizessem parte de uma cadeia de comando. Como se para disparar uma metralhadora no meio de uma perseguição não fosse suposto haver uma ordem nesse sentido. Como se não houvesse um regulamento do uso da arma de fogo que estabelece que esta só pode ser disparada para “proteger vidas humanas” e como se não fosse responsabilidade da corporação escolher agentes que sejam capazes de compreender essa noção básica e formá-los de modo a que a tenham sempre presente.
Esta é uma cartilha que faz a apologia do uso ilegítimo e criminoso das armas confiadas aos polícias e da inimputabilidade das chefias, uma cartilha que, em nome de uma noção deplorável da “autoridade do Estado”, sobreviveu a sucessivos governos democráticos, acumulando mortes bárbaras e injustificadas. Só em 2006, até agora, pelo menos três jovens perderam a vida devido a disparos mal fundamentados da PSP e da GNR. Os processos de averiguação correm ainda, mas não surpreenderá – faz parte da cartilha – que terminem inconclusivos ou com uma acusação de negligência, sem uma beliscadura nas chefias nem uma palavra de pedagogia das instâncias políticas. Num país que se prepara para debater os direitos da vida intra-uterina, o direito à vida dos Vitor Hugos não faz ondas. O dono do nome, autor d’ Os Miseráveis,poderia explicar porquê.(texto de hoje do contra os canhões, no dn, que pelas inexplicáveis razões do costume não está disponível na net)
|| f., 16:41
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shiny shiny, shiny boots of leather
desde que no outro dia saí à rua de sandálias e apanhei uma molha nos pézinhos só nos cinco passos que dei entre a porta do dn e o carrito que me esperava, decidi que é tempo de botas. e o que eu adoro botas. nisso estou com
a ana. botas is my thing. (também adoro sapatos e sandálias e chinelas, mas botas é mesmo o meu amor).
que prazer, que enlevo, nisto de ir buscar as minhas queridas, acordá-las do seu sono nos esquifes em que passaram o verão, puxar-lhes o lustro e saracoteá-las pelos passeios esburacados de lisboa. botas com pernas nuas ainda bronzeadas, antes do tempo das meias, botas com vestidos de verão, botas altas e baixas e rasas, botinas e botins, de montar e de dançar, redondas e bicudas, de todos os couros e cores.
um dia hei-de contar aqui a história das botas que durante anos mandei fazer no senhor policarpo, o sapateiro algarvio que vivia numa cave da avenida dos eua e que concretizava em volume, forma e fortunas os desenhos que eu lhe explicava em horas de minúcia e volúpia.
|| f., 16:10
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essa nem a zezinha
o jcd,
na caixa de comentários sobre o post da baixa, explica que assim como está, as pessoas preferem ir comprar um vestido ao colombo que à rua dos fanqueiros. eheh. dessa de comprar vestidos na rua dos fanqueiros nem a zezinha - 'eu cá não sou nenhuma desmazelada, compro a minha roupinha toda na zara' - nogueira pinto se lembrou. ó jcd, man. vê-se bem que não conhece a baixa lá muito bem. precisa de uma tour com guia autóctene? ou só mesmo de um parque de estacionamento para o carrinho? ou talvez de um mapa com as lojas assinaladas em vez dos pês?
|| f., 12:47
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outra vez o blasfemias, desta vez sobre a baixa
ai. estes rapazes do blasfémias não me dão sossego. escrevo um post dirigido à helena matos e
zás, tungas, salta logo um deles. é escravatura, é capitalismo selvagem, é sindicatos, é aulas de economia e, agora, a baixa, também.
(suspiro)
pronto, jcd, vamos a isto. primeiro: é mesmo plano de desertificação da baixa que quer chamar às ideias da maria josé nogueira pinto, ou foi lapso? either way, tem graça.
de seguida: sabe quantos lugares há nos parques todos que enumerei? é que eu, como fiz questão de frisar, não sei, como não sei -- o jcd sabe? -- qual a respectiva taxa de ocupação. sem esses dados, é abusivo,no mínimo (eu diria mesmo pouco racional) estar a bramar pela construção de mais parques -- contra a qual eu não sou por princípio, mas por precaução.
ou seja, para resumir:
a helena queixa-se e
eu também dos carros no passeio, dos eléctricos empancados por causa do estacionamento selvagem, e da dificuldade de encontrar um lugar (à superfície e perto de casa, para os moradores ou para os visitantes dos moradores). é claro que é preciso solucionar isso, como é preciso encontrar soluções para o parqueamento dos moradores, entre os quais, como já referi, me incluo. mas não é possível averiguar da bondade de qualquer solução antes de se fazer uma coisa muito simples: obrigar todos os donos dos carros que entopem os passeios a tirá-los de lá e ver como se porta o estacionamento com uma fiscalização eficaz. isto porque, e basta pensar nas vossas tão queridas leis da oferta e da procura, se as pessoas que se habituaram a estacionar ilegalmente sem pagar um tostão passassem a ter como certo um bloqueio do veículo mais respectiva multa, das duas uma: ou não traziam o carro para a baixa ou colocavam-no num parque de estacionamento. porque, caro jcd, muita gente traz o carro não porque tenha de o trazer mas porque lhe apetece trazê-lo.
nada disto tem a ver com ir a restaurantes ou a bares -- o estacionamento nocturno na baixa não é nem por sombras tão problemático como o diurno, a não ser que esteja a referir-se apenas à zona do bairro alto. mas aí, meu caro, a solução não se chama navette, chama-se táxi. é de táxi que anda toda a gente na maioria das cidades que referiu e nas outras que não referiu. a ideia de levar carro para a porta dos restaurantes e dos bares é aliás um pouco peregrina -- e no caso do bairro alto acabou sem grandes estertores.
fico à espera dos números, como dizia o outro. para fazermos as contas e chegarmos a uma conclusão que não passe só por voluntarismos baseados em juízos de valor. pode ser que ainda ganhemos um prémiozito nobel, hum?
|| f., 12:05
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